sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Como

Eu: Como é que eu faço?

Eu: Não faz.

Eu: Mas é sacanagem.

Eu: As pessoas vão entender.

Eu: Eu não quero que elas entendam.

Eu: Então não faz.

Eu: Mas não foi isso que eu quis dizer.

Eu: Foi exatamente o que eu quis.

Eu: Eu sei.

Eu: Eu também.

(pausa)

Eu: Já sei.

Eu: Fala.

Eu: Eu vou pegar uma cena já escrita.

Eu: É sacanagem.

Eu: E não fazer não é?

Eu: Eu estou no Maranhão!

Eu: Eu também.

Eu: Nos Lençóis!

Eu: Eu sei. Eu também estou aqui.

Eu: Então é difícil, né?

Eu: E eu não sei?

Eu: Mas mesmo assim eu tenho que escrever alguma coisa. Senão é sacanagem.

Eu: Não tem problema. Deixa de ser apegado. Uma semana a menos não vai fazer diferença. Aposto que tem gente que nem vai notar.

Eu: Tudo bem.

Eu: Tudo?

Eu: Você me convenceu.

Eu: Que bom.

Eu: Não vou escrever nada.

Eu: Ótimo.

Eu: Mas vou cantar.

(pausa)

Eu: Cantar?

Eu: É.

Eu: Você vai cantar uma música no Maranhão.

Eu: É.

Eu: Pras pessoas do site?

Eu: Isso. Qual o problema.

Eu: Nenhum. Tirando o fato de que ninguém vai ouvir uma nota. Aliás, sorte a deles.

Eu: Não importa. Tudo bem com você?

(pausa)

Eu: Ok. Tudo bem.

Neste momento, EU saio da pequena Lan House na avenida Joaqui Soeiro de Carvalho e sigo pelas ruas de Barreirinhas cantando “Amor, I love you”

FIM

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Manual prático para a compreensão do mundo (em cinco passos)

Natal lembra um monte de coisas. E rever o mundo é uma delas. Minha cena dessa semana é pra ser encenada por você que está lendo agora. Eu sei que é difícil (nunca disseram que ser ator é fácil). Mas se você fizer pelo menos uma das ações propostas na cena já tá valendo. Vamos tomar coragem e sentir… quer dizer, “compreender” o mundo? (pode começar amanhã, segunda-feira)

1 – Após acordar, escove os dentes usando a sua mão esquerda (no caso de destros), a sua mão direita (no caso de canhotos) ou um de seus pés (no caso de ambidestros).

2 – Ao sair de casa, pare perto de um banco de sua casa. Cantarole uma antiga canção de ninar para o segurança.

3 – Depois de pagar por suas compras, agradeça ao caixa do supermercado com um beijo de esquimó*.

4 – Faça uma marca de pé no teto de sua sala e chame uma visita. Observe sua reação.

5 – Assista a um filme de trás para frente e, em seguida, narre-o para alguém.

*Glossário
Beijo de esquimó: demonstração afetuosa em que dois seres dotados de órgão olfativo externo encostam repetidamente seus respectivos nasais através de sucessivos movimentos de cabeça da direita para a esquerda.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Questionário

Você: Eu estou mal.

Outra pessoa: Por quê?

Você: Eu traí.

Outra pessoa: Traiu?

Você: Traí, traí. Sou uma pessoa ruim. Eu traí.

Outra pessoa: Quando?

Você: Agora.

Outra pessoa: Agora?

Você: Vi você e fiquei um pouco excitado. Não conta pra ninguém.

Outra pessoa: Isso não é traição.

Você: É claro que é.

Outra pessoa: Como assim? Você nem encostou em mim.

Você: Se eu tivesse encostado seria traição e se eu não encosto não é. É isso?

Outra pessoa: É.

Você: Então se eu não encosto não é?

Outra pessoa:

Você: Sexo com camisinha não é traição, então. Teoricamente não encosta.

Outra pessoa: O que você tá falando?

Você: Vamos dizer que a sua namorada se chama Laura. Mas você tem tesão na Solange. Você conhece Solange. Se Laura e Solange se conhecem é irrelevante. Consideremos apenas esses fatos. Você namora Laura. Você tem tesão na Solange. O fato de você ter tesão na Solange é traição?
R:

O fato de você ficar de excitado pensando na Solange é traição?
R:

O fato de você se masturbar pensando na Solange é traição?
R:

O fato de você se masturbar olhando uma foto da Solange na Internet é traição?
R:

O fato de você se masturbar olhando uma foto da Solange revelada em papel Kodak é traição?
R:

O fato de você se masturbar vendo a Solange atrás de um vidro fumê com 50% de transparência e a uma distância de 100m é traição?
R:

O fato de você se masturbar vendo a Solange atrás de um vidro fumê com 75% de transparência e a uma distância de 50m é traição?
R:

O fato de você se masturbar vendo a Solange atrás de um vidro transparente uma distância de 23,47m é traição?
R:

O fato de você se masturbar vendo a Solange a uma distância de 12,54m sem vidro entre vocês é traição?
R:

O fato de você se masturbar sem ejacular vendo a Solange a uma distância de 3,77m é traição?
R:

O fato de você se masturbar e ejacular vendo a Solange a uma distância de 68cm é traição?
R:

O fato de você se masturbar sem ejacular vendo a Solange atrás de um anteparo de resina fabrticado na Bolívia a 4cm de distância dela é traição?
R:

E a 9mm da Solange, é traição?
R:

E a 8mm?
R:

O fato de você se masturbar vendo a Solange e encostando a ponta do seu dedo direito no ombro esquerdo dela é traição?
R:

O fato de você se masturbar encostando a ponta do seu pênis no ombro esquerdo da Solange é traição?
R:

O fato de você se masturbar encostando 10% do seu pênis na vagina da Solange é traição?
R:

O fato de a vagina da Solange masturbar 35% do seu pênis é traição?
R:

O fato de você usar a vagina da solange para masturbar ora 50% do seu pênis, ora 100% dele, ora 50%, ora 100% em repetidas mudanças de percentagem é traição?
R:

E então? Traí ou não traí?

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Um caso extraordinário

Uma pessoa sentada (ou deitada) de costas para a platéia. Um homem de branco a examina.

Paciente: E então, doutor?

Médico: Só mais um minutinho.

Paciente: Ai, que agonia.

Médico: Pronto.

Paciente: E então.

Médico: É o que eu imaginava.

Paciente: O que o senhor imaginava?

Médico: É um caso extraordinário. Eu nunca vi uma coisa igual.

Paciente: Mas o que é, doutor?

Médico: Trata-se de uma unha.

Paciente: Uma unha?

Médico: Uma unha.

Paciente: Mas é roxa, doutor.

Médico: Aì está o extraordinário do caso. Ela está pintada.

Paciente: Uma unha pintada?

Médico: Uma unha pintada.

Paciente: E de roxo.

Médico: Pois é.

Paciente: Doutor, mas como é que pode, doutor? Como é que pode ter nascido uma unha pintada de roxo, doutor? E bem no meio da minha testa?

Médico: É um caso extraordinário, não?

Paciente: Mas como é que isso foi acontecer.

Médico: Isso é o que nós temos que descobrir. Eu vou fazer algumas perguntinhas para a senhora e queria que a senhora tentasse ao máximo lembrar dos detalhes ao responder, pode ser?

Paciente: Sim, pode…

Médico: Vamos lá: qual foi a última vez que a senhora esteve numa usina atômica, num campo de dejetos radioativos ou num laboratório de enriquecimento de plutônio.

Paciente: Eu nunca estive em nenhum desses lugares, doutor.

Médico: Tem certeza. É preciso que a senhora pense muito antes de responder. Tente lembrar.

Paciente: Bom… Numa usina atômica, eu nunca estive. Até porque no Brasil, que eu tenha ouvido falar, só existe aquelas lá de Angra e eu nunca fui além de Paquetá.

Médico: Hum… Que saudades de paquetá.

Paciente: Num campo de dejetos radioativos eu não sei. Por que eu não sei exatamente o que são dejetos radioativos.

Médico: Sei…

Paciente: E num laboratório de enriquecimento de plutônio, eu também acho difícil. A não ser que eles enriqueçam plutônio no Sérgio Franco, onde eu fui mês retrasado levar um exame de urina.

Médico: Não. Acho que eles não enriquecem plutônio no Sérgio Franco.

Paciente: Pois é.

Médico: Próxima pergunta: a senhora já participou de testes de novos medicamentos ou serviu de modelo para experimentação de novos cosméticos.

Paciente: Eu já deixei a filha da vizinha pintar meu cabelo quando ela tava treinando pra ser tinturista no cabeleireiro onde ela trabalha.

Médico: A senhora sabe se o tonalizador usado continha uma mistura de ácido acétio glacial com xileno.

Paciente: Olha… Era casting.

Médico: Casting?

Paciente: Da l´Oreal.

Médico: Entendo.

Paciente: Faltam muitas perguntas doutor?

Médico: Existe na sua família algum caso de alteração genética pela exposição de raios gama?

Paciente: Olha, o meu pai tirava muita chapa…

Médico: Muita chapa?

Paciente: É que ele tinha negrume no pulmão, sabe?

Médico: Não, minha senhora, não sei. Em todo caso eram raios x.

Paciente: Isso. Raio-X.

Médico: A senhora travou contato com…

Paciente: Doutor, faltam muitas perguntas.

Médico: Eu receio que sim, minha senhora. As possibilidades são infinitas. E para o tratamento adequado nós temos que descobrir a causa da sua anomalia parietal…

Paciente: Anomalia parietal?

Médico: Isso. A unha na testa. Nós temos que descobrir como e porque surgiu a sua vigésima primeira unha. E para isso nós vamos fazer exames. Mas pra saber que tipo de exame a gente faz, é preciso fazer muitas perguntas.

Paciente: Entendi. (tempo). O senhor se importa se eu voltar amanhã pra responder a essas perguntas?

Médico: Bom… Eu acredito que não tenha problema. Apesar de ser um caso extraordinário, ele não representa perigo pra sua saúde.

Paciente: Ah, então tá ótimo. Então eu volto amanhã, tudo bem.

Médico: Mas a senhora vai voltar?

Paciente: Vou. Eu vou voltar, doutor.

Médico: Vai mesmo?

Paciente: Vou, eu juro que eu vou.

Médico: Olha, minha senhora. É muito comum que os pacientes se assustem e não voltem ao consultório após a descoberta de certas condições. Eu devo avisá-la que no seu caso, em se tratando de um caso extraordinário, a sua volta é muito importante.

Paciente: Mas doutor, eu já disse que vou voltar. Eu juro. Eu vou voltar.

Médico: Então porque é que a senhora está saindo assim com tanta pressa?

Paciente: É que eu preciso ir na Solange, doutor.

Médico: Solange?

Paciente: A minha manicure.

Méidco: Como?

Paciente: É que esse roxo tá me tirando do sério, doutor. Me tirando do sério!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

2000 mulheres

(o texto é meu, não as mulheres)


Um apartamento. Dois amigos na faixa dos 25 a 35.

Um: Mas como é que isso foi acontecer?

Outro: Como assim acontecer?

U: Como é que aconteceu? Essa situação?

O: Eu é que vou saber?

U: É claro que é você que vai saber. Ela aconteceu com você!

O: Você perdeu sua carteira.

U: E daí?

O: Também aconteceu com você e nem por isso você sabe como perdeu.

U: É diferente.

O: A mesma coisa.

U: Perder a carteira é um evento isolado. A sua situação são eventos contínuos. Não é por acaso.

O: Mas acontece.

U: Acontece?

O: Aconteceu. Vem cá. Você vai me ajudar ou não vai?

U: Acho que não.

O: Por quê?

U: Eu não acredito em você.

O: Mas por quê?

U: Por que é uma história absurda.

O: Você perdeu sua carteira dormindo.

U: E daí?

O: Também é uma história absurda e nem por isso eu deixei de acreditar em você.

U: Mas como é que eu nunca soube?

O: Da situação?

U: Das mulheres. Como é que eu nunca soube das mulheres?

O: Eu sou discreto.

U: É mentiroso.

O: A troco de quê eu estaria mentindo pra você?

U: Pra me impressionar.

O: Pra quê?

U: Você me admira.

O: Vamos combinar uma coisa. Acredita em mim por um tempo preestabelecido.

U: Um tempo.

O: Dez minutos, pode ser?

U: Dez minutos?

O: Dez minutos. Acredita em mim pelos próximos dez minutos. Nesse tempo você tenta me ajudar. Com a minha situação. Depois, se você não estiver satisfeito com você acreditando em mim e na minha situação, você pode voltar a desacreditar em mim. E na situação.

U: Não entendi muito bem.

O: É um tempo de crédito que você ta me dando.

U: Tempo de crédito?

O: De dez minutos.

U: Pra acreditar em você.

O: Exatamente.

U: Eu não posso fazer isso.

O: Por quê não?

U: Crédito pra acreditar. É um crédito de crédito.

O: E daí?

U: Muito ruim. Crédito de crédito?

O: Ruim por quê?

U: Porque é feio. Soa mal. Eu nunca escreveria isso. E é redundância.

O: Redundância.

U: Pleonasmo.

O: Não é não. Só porque é uma repetição de palavras não quer dizer que é redundância.

U: Ah, não?

O: Não. Redundância é um reforço desnecessário de significados. Tipo subir pra cima, descer pra baixo, entrar pra dentro, conviver junto, encarar de frente, ganhar de graça, ter opinião pessoal, prefeitura municipal, projeto pro futuro, sorriso nos lábios, goteira no teto, estrelas do céu, países do mundo, almirante da marinha, general do exército e brigadeiro da aeronáutica. Crédito de crédito não é redundância. É outra coisa.

U: É o quê, hein? Hipérbole?

O: Acho que é hipérbato!

U: Ou catacrese?

O: Não, não. Anacoluto.

U: Zeugma, de repente…

Apartamento vizinho. Duas senhoras.

Senhora: Zigmund ,de repente?

Outra senhora: Não, não. Anacleto.

Senhora: Ou Catalão?

Outra senhora: Acho que é Hipólito!

Senhora: Eu não me lembro. Definitivamente não me lembro. Só sei que era um nome muito estranho.

Outra senhora: E vocês nunca mais se viram?

Senhora: Não. Mas foi melhor assim. A gente não conseguia conviver junto. Eu não podia ter opinião pessoal que ele me encarava de frente e o que eram estrelas no céu viravam uma goteira no teto.

Outra senhora: Ele era almirante da marinha, né?

Senhora: Não.

Outra senhora: Brigadeiro da aeronáutica?

Senhora: General do exército. Depois que ele saiu pra fora do Brasil nunca mais vi.

Outra senhora: Deve ter viajado por muitos países do mundo.

Senhora: É…

Outra senhora: Ele foi o último?

Senhora: Último e o primeiro. Dá pra acreditar? Ai, meu Deus. Como é que isso foi acontecer?

Outra senhora: Como assim acontecer?

Senhora: Como é que aconteceu? Essa situação?

Outra senhora: Não é você que tem que saber.

Senhora: Claro que sou eu. Ela aconteceu comigo!

OS: Eu perdi minha virgindade.

S: E daí?

OS: Também aconteceu comigo e mesmo assim eu não me lembro como foi.

S: É diferente.

OS: A mesma coisa.

S: A minha situação é uma história absurda.

OS: Eu perdi minha virgindade dormindo. Quer história mais absurda do que isso?

S: Você me ajuda?

OS: Com a sua situação?

S: É.

OS: Como é que eu vou te ajudar? Tudo o que eu tenho na vida é uma conta no Orkut e um celular de cartão com dez minutos de crédito.

S: Crédito de dez minutos?

OS: Dez minutos de crédito.

S: Crédito de crédito?

OS: Dez minutos de crédito.

S: Ah, tá. Crédito de crédito. Muito ruim celular de crédito.

OS: É redundância.

S: O quê?

OS: Pleonasmo. Celular de crédito ruim é redundância. Celular de crédito por si só já é ruim.

S: Crédito de crédito.

OS: Mas e a sua situação? Como a gente resolve a sua situação?

Apartamento 1

Outro: Como é que eu resolvo a minha situação?

Um: Eu vou te dar.

Outro: O quê?

Um: O crédito. Eu vou te dar o crédito.

Outro: O crédito de crédito?

Um: Começando agora.

Outro: Jura?

U: Você tem nove minutos e cinqüenta e seis segundos.

O: Ta bom, ta bom. Você ta acreditando em mim?

U: To.

O: Então você acredita na minha situação?

U: Claro. Eu acredito.

O: Mesmo?

Um: Sim. Eu acredito que você comeu uma mulher diferente todos os dias da sua vida desde que você perdeu a sua virgindade.

O: Eu sei que é estranho.

Um: Que não se tenham passado 24 horas sem que você não tivesse transado desde o momento em que você praticou sexo pela primeira vez.

O: Aconteceu.

Um: Que você tenha tido religiosamente em todos os quadrinhos do calendário uma relação coital com parceiras múltiplas a partir do momento que a sua glande travou um contato inédito com dois pequenos lábios e o seu pênis desbravou heroicamente um caminho em direção ao canal vaginal da infeliz mulher que te amaldiçoou com esse drama diário.

O: Ironia não ajuda.

U: Eu não estou sendo irônico.

O: Drama diário.

U: O quê?

O: Você descreveu bem. É um drama diário o que eu vivo. Transar com uma mulher diferente todos os dias. Um drama diário.

U: Drama diário. Acho que eu já ouvi isso em algum lugar.

O: Eu sempre fico com medo de não conseguir a mulher do dia entendeu? Como se eu não trepasse com uma mulher nova naquele dia o meu mundo fosse acabar.

U: Drama diário, drama diário.

O: É uma pressão. Teve uma vez que eu só consegui transar às onze e cinqüenta e oito da noite.

U: Drama…

O: Eu não agüento mais.

U: Diário.

O: Quer parar de ficar re
petindo isso?

U: Por quê?

O: Sei lá. To achando esquisito.

U: Esquisita é a sua situação.

O: Eu não sei mais o que fazer.

U: Peraí. Quantas mulheres você já comeu?

O: Então. Essa é que é a questão.

U: Ah, ta. A questão.

O: Ontem, eu comi a milésima novecentésima nona.

Pausa

O: 1999!

U: Ah, 1999. (Pausa) 1999?

O: É.

U: Você tá me dizendo que você comeu 1999 mulheres?

O: Fala mais alto que não te ouviram em Niterói!

U: Mas sendo uma por dia isso dá…

O: Cinco anos sete meses e dezenove dias. Eu como diariamente uma mulher diferente desde os últimos cinco anos, sete meses e dezenove dias.

U: Mas isso que dizer que você só perdeu a virgindade há cinco anos?

O: É.

U: Começou tarde, hein.

O: Não vamos focar nessa parte da história senão fica inverossímil.

U: Ta.

O: O caso é que eu comi 1999 mulheres diferentes. E agora que ta chegando na de número 2000 eu não sei… eu acho que eu não vou conseguir… Eu também não quero mais isso pra mim. Dá trabalho. Administrar tanta mulher assim. E os caderninhos…

Um: Que caderninhos?

Outro: Cada uma é registrada com nome, número de telefone e comentário sobre a noite.

U: Você tem um catálogo das mulheres que você comeu?

Outro: Tenho.

Um: E você organiza por quê? Ordem alfabética?

O: Não, peraí. Também não é assim!!! É por ordem de preferência…

U: Vem, cá. Você já pensou em fazer terapia?

O: Pra quê?

Um: Pra ser normal!

O: E perder todo meu charme?

Um: É inacreditável. Você deve ter comido todas as mulheres que a gente conhece, né?

Pausa

Um: Você deve ter comido todas as mulheres que a gente conhece, né?

Outro: Você acabou de falar isso.

Um: As minhas amigas, minhas ex-namoradas… Você comeu a Carlinha?

O: Que Carlinha? 843 ou 237?

U: A Carlinha minha irmã!

O: 352…

U: A minha mãe!

Outro apartamento

OS: Ai, minha mãe. Você conta?

S: Anoto num caderninho. Todos os homens com quem eu tentei transar.

OS: Quer dizer que desde o Brigadeiro da aeronáutica…

S: General do Exército.

OS: Desde o general do exército que tirou a sua virgindade, nunca mais?

S: Nem um boquetinho, com o perdão da palavra. Parece maldição. Todos os dias eu tento. Há cinqüenta anos eu tento (pausa) dar, com o perdão da palavra. Mas nunca consegui.

OS: O que é que acontece?

S: Tudo minha filha, tudo. No início eu ficava esperando, sabe? Depois que o general foi embora eu queria o homem certo no lugar certo. Com o tempo eu cansei de esperar e comecei a me atirar pra cima dos homens mesmo. Mas na hora da coisa acontecer, sempre tinha um problema.

OS: Como assim, problema?
S: Uma brochadura aqui, uma falta de camisinha ali. Você acredita que teve até um que quebrou a perna tentando tirar a calça.

OS: Nossa, mas como é que ele conseguiu?

S: Não sei. Mas empatou a foda. Com perdão da palavra. Eu já tentei de tudo. Agência matrimonial, classificado sentimental, prostíbulo.

OS: Prostíbulo?

S: O que que eu podia fazer? Lá certamente tinha o que eu tava procurando. Mas não deu certo não. A cafetina disse que eu era muito recatada.

Outra senhora: Que bom né?

Senhora: Bom pra você que deve transar que nem uma louca. Eu que só fiz uma vez queria mais é parecer uma vagabunda, entrar praquele bordel e tirar meu atraso de cinqüenta anos.

Outra senhora: Ah, você foi num prostíbulo recentemente?

Senhora: Semana passada.

OS: Quer dizer que desde que você perdeu sua virgindade com o general você nunca conseguiu fazer sexo de novo?

S: Eu sei que é estranho.

Outra senhora: Que desde que você fez sexo pela primeira vez nunca mais aconteceu.

S: É

OS: Que depois que você deu, nunca mais deu de novo.

Senhora: Fala mais alto que não te ouviram em Irajá!

OS Mas que drama.

Senhora: E diário. É um drama diário!

OS: Drama diário.

Senhora: Drama diário.

OS: É. Diário, o drama. Diário.

S: Drama diário.

OS: Diário.
S: Diário.

OS: Drama diário! Drama diário!

S: Di-á-ri-o.

OS: Drama diário.

(pausa)

Senhora, outra senhora, um e outro juntOS: Drama diário.

Os dois apartamentos ao mesmo tempo.

OUTRO: Como é que eu faço pra resolver o meu drama diário?

UM: É muito simples.

OUTRA SENHORA: Pára de procurar.

OUTRO: Parar de procurar?

UM: O que te deixa agoniado é a obrigação de ter que comer alguém todos os dias.

OUTRA SENHORA: É essa obsessão de ter que dar.

SENHORA: Mas eu quero dar.

UM: Eu sei, mas você não precisa ficar indo atrás. Deixa rolar.

OUTRA SENHORA: Deixa rolar.

UM: E tem que parar de ficar listando as mulheres.

OUTRA SENHORA: Me dá o caderninho. Senão você vai querer anotar de novo.

OUTRO: Mas você acha que eu já não tentei isso? Eu não consigo.

SENHORA: Eu não agüento mais ser casada com uma coleção de vibrador e almofada.

OUTRA SENHORA: Calma.

UM: Você tem que se controlar.

OUTRA SENHORA: Precisa.

UM: Vamos fazer uma experiência.

SENHORA: Experiência?

OUTRA SENHORA: É muito simples.

UM: Sai.

OUTRO: Sair?

Outra senhora: Sai de casa. Sem rumo. Sai de casa sem rumo.

Senhora: Como assim?

Um: Sai de casa sem rumo. A primeira mulher que você encontrar…

Outra senhora: O primeiro homem que você vir, se aproxima.

Um: Chega perto.

Outra senhora: Puxa um papo.

Um: Sei lá. Pede uma informação.

Outra senhora: Mas tem que ser o primeiro.

Um: Não pode escolher.

Outra senhora: Agora, tem uma coisa.

Outro: Eu sabia que tinha uma coisa.

Senhora: Fala.

Um: Por mais que essa mulher se jogue em cima de você…

Outra senhora: Mesmo que esse homem seja irresistível…

Um: Você não vai querer transar com ela.
(Juntos)
Outra senhora: Você não vai querer dar pra ele.

(pausa)

Senhora: Ai meu Deus. Será que eu vou conseguir?

Outro: É que já vai dar 24 horas desde que eu comi a última.

Outra senhora e Um: Tenta.

Os dois se levantam. Saem de seus apartamentos e se cruzam no corredor, em frente ao elevador.

Outro: Boa noite.

Senhora: Boa noite.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Blow

O público está na porta de um teatro. Do lado de fora um alto-falante. Eles ouvem a seguinte gravação.

Homem: Uma calça preta. Meias brancas. Sapatos pretos. Uma camisa branca. Um blaser preto. Um guarda-chuva marrom. E uma cueca bege. Eu estou no teatro. Estou na porta do teatro vestindo uma calça preta, meias brancas, sapatos pretos, uma camisa branca, um blaser preto e um casaco marrom. Esta é minha voz. Minhavoz gravada. Eu estou na porta do teatro e você ouve minha voz gravada. Mas você não me vê. Eu estou na porta do teatro mas você não me vê. Eu estou a cinco metros da porta. Levemente à direita. Cinco metros e levemente à direita da porta vestido de preto, branco, marrom e bege. Mas você não me vê. Eu vou me aproximar da porta agora. Eu dou cinco passos e me coloco em frente à porta do teatro. Mesmo assim, você ainda não me vê. Eu coloco a minha mão na maçaneta, eu aperto essa maçaneta, e eu abro a porta.

A porta se abre, o homem sai de dentro do teatro vestido exatamente como se descreveu. Ele fecha a porta e fica em frente a ela. No seguinte texto, o homem faz todas as ações descritas na fala. Por isso há muitas pausas. Todo o texto continua sendo uma gravação. O homem fica no meio do público que está em pé do lado de fora da rua.

Eu estou na porta do teatro e agora você me vê. Uma calça preta. Meias brancas. Sapatos pretos. Uma camisa branca. Um blaser preto. Um guarda chuva marrom. E uma cueca bege. Eu estou no Rio de Janeiro. Você está no Rio de Janeiro. São nove e cinco da noite. Hoje é Sábado. Foi um dia de sol. Você está em pé, no Rio de Janeiro, numa noitede sábado. Não chove agora. Um carro amarelo acabou de passar na rua ao lado. No prédio em frente, uma criança começou a chorar no terceiro andar. E um casal briga no décimo. Ela joga ovos no marido.

Caem ovos na rua

Homem: Uma senhora acaba de morrer sozinha em seu apartamento a três quarteirões daqui. Eu estou na porta do Teatro e você me vê. Eu procuro uma mulher. Eu dou dois passos e paro. Eu procuro uma mulher num Café. Eu viro para a direita. Eu vejo uma mulher. Ela está com os braços à mostra. Ela é morena. Tem trinta e quatro anos e quebrou a perna esquerda quando morava no interior de São Paulo aos cinco anos de idade. Ela não é a mulher que eu procuro. Eu procuro uma mulher num café. Vestida de vermelho. Eu viro para a esquerda. Eu paro em frente a um homem. Ele tem cabelos curtos, o nariz grande, veste uma blusa de botão e pesa menos de setenta quilos. Ele costuma tomar cerveja alemã nas manhãs de domingo e rói unhaquando ninguém está olhando. Ele não é a mulher que eu procuro. Eu sigo adiante. Eu procuro uma mulher num Café. Eu paro ao lado de um carro vermelho. Eu abro a porta. Eu entro no carro. Eu estou dentro de um carro vermelho na porta do teatro e agora você não me vê. Você está em pé no Rio de Janeiro e você não me vê. Eu ligo o carro. Engato a primeira. Eu acelero. Eu procuro uma mulher de vermelho num Café. Eu freio. Ligo o pisca alerta. Eu saio do carro. Eu atravesso a rua você me acompanha com o seu olhar. Eu começo a andar em direção a um Café. Você anda em direção ao café para me ver melhor. Eu procuro uma mulher de vermelho. Eu paro. Você me vê de pé, em frente a um café. Você está em pé, no Rio de Janeiro, em frente a um teatro e você me vê. Eu estou sendo observado. Você está em pé e eu estou sendo observado. Eu agacho. Você imagina qual será meu próximo passo. Você me imagina levantando. Eu levanto. Eu estou em pé e estou sendo observado. Eu procuro uma mulher no Café.Ela não está lá. Eu saco a minha câmera. Você me vê sacando a minha câmera. Eu tiro uma foto e ela não está lá. Você está em pé me observando. Você está em pé e está sendo observado. Eu estou em pé, em frente a um café e você está sendo observado. Eu te observo na porta do teatro e você não me vê.

Neste momento o homem que saiu do teatro, foi viso na platéia desde o início e que o público estaria vendo, surge misteriosamente atrás do público e diz a seguinte frase, ao vivo, sem gravação.

Homem: Eu te observo na porta do teatro e agora você me vê.

O público percebe que a pessoa que saiu do carro e que ela estava acompanhando não era a mesma que entrou. Mas a cena passa a ilusão de que era a mesma pessoa. Deu pra entender?

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A minha filha e o senhor

Mulher: Me perdoe padre pois eu pequei. Faz dezenove anos desde a minha última confissão.

Jovem Padre: Dezenove anos? Dezenove anos é muito tempo minha filha.

Mulher: Foi na minha primeira comunhão.

Jovem Padre: Você quer dizer que só fez a primeira confissão?

Mulher: Bom… É.

Jovem Padre: Tudo bem. O importante é que você resolveu fazer a segunda.

Mulher: Claro.

Jovem Padre: Bom, já vi que essa vai ser uma confissão longa.

Mulher: Longa?

Jovem Padre: Dezenove anos de pecado é muita coisa.

Mulher: Ué. E quem disse que eu pequei tanto assim?

Jovem Padre: Minha filha, todos somos pecadores. Até a mais correta das Irmãs Marcelinas peca diversas vezes ao dia.

Mulher: Mas não precisa confessar tudo, né?

Jovem Padre: Claro que não, minha filha. Claro que não. Só mesmo os pecados capitais. Ou os que você julgar mais… mais…

Mulher: Pesados?

Jovem Padre: Bom. Eu ia usar outro termo. Mas acredito que pesado cabe neste caso.

Mulher: Pesado cabe?

Jovem Padre: Pesado cabe.

Mulher: Pesado cabe. Pesado cabe. Bom. Então vamos lá. (pausa) Eu devo começar pela ordem cronológica ou de trás pra frente?

Jovem Padre: O que você preferir.

Mulher: De trás pra frente.

Jovem Padre: Então vamos de trás pra frente.

Mulher: Bom. O meu último pecado pesado…

Padre: Sim…

Mulher: Ai, que vergonha.

Padre: Não precisa ter vergonha, minha filha. Lembre-se de que eu sou só o ouvido de Deus. Você não deve pensar em mim como uma pessoa.

Mulher: É justamente essa a questão.

Padre: Que questão?

Mulher: Do pecado.

Padre: Do seu último pecado.

Mulher: Do meu pecado corrente.

Padre: Pecado corrente? Pecado pesado como uma corrente?

Mulher: Não, padre. Pecado correte, pecado corrente.

Padre: Que você carrega amarrado ao seu corpo, como uma corrente.

Mulher: Não.

Padre: Que você exibe para todos como uma corrente no pescoço.

Mulher: Meu Deus, não tem metáfora! Corrente no sentido de que está correndo. De que é presente. De agora.

Padre: Seja mais clara.

Mulher: É que o meu último pecado meio que ta em curso. (pausa). Eu to pecando.

Padre: Está pecando?

Mulher: Neste momento.

Padre: Como assim, minha filha?

Mulher: Por ter entrado no seu confessionário. Por estar aqui, falando com o senhor.

Padre: Minha filha, a confissão está longe de ser um pecado.

Mulher: Mas é que eu to com tesão no senhor.

longa pausa

Padre: Minha filha, a confissão está longe se ser um pecado…

Mulher: Padre, você não ouviu o que eu disse?

Padre: Ela é um sacramento…

Mulher: Padre…

Padre: Que começa na primeira comunhão…

Mulher: Padre!

Padre: E acompanha o fiel até o leito de sua morte.

Mulher (alto): Padre, eu disse que to com tesão no senhor!

pausa mais longa que a anterior

Padre: Bom… É… De fato você tem um pecado corrente.

Mulher: Na verdade eu nem ia me confessar, sabe? Pra ser sincera, eu não sou muito religiosa… Eu até faço sinal da cruz quando vejo gente atropelada na rua e pulo as sete ondas no Réveillon. Mas igreja, igreja… Só casamento e batizado, sabe?

Padre (nervoso): Sei minha filha, sei…

Mulher: Mas hoje eu tava passando aqui na porta daí eu vi você… quer dizer… o senhor. (pausa) Ai, tão esquisito te chamar de senhor. Tu deve ter a minha idade, né não?

Padre: Vamos voltar ao pecado corrente, minha filha… Pecado corrente.

Mulher: Ai, desculpa. Enfim. Eu vi você entrando no confessionário lá da rua. Eu te achei tão gatinho, mas tão gatinho. E não foi só porque eu te achei gatinho não. É que. Sei lá… Eu acho que… Rolou.

Padre: Rolou?

Mulher: É. Rolou.

Padre: Rolou o quê, minha filha?

Mulher: Pára de me chamar de filha que se bobear eu sou mais velha que tu. Aliás, quantos anos você tem?

Padre: Isso não faz parte do sacramento da conf…

Mulher: É só uma perguntinha, padre.

Padre: É… 27.

Mulher: Jura?

Padre: É. Por quê?

Mulher: É que o senhor parecia ser mais novinho.

Padre: É mesmo? Sempre me dizem isso.

Mulher: Bom eu tenho 26. Mas acho que eu pareço um pouco mais velha.

Padre: Ah sim?

Mulher: É. Acho que é por causa do trabalho.

Padre: O que você faz, minha filha?

Mulher: Sou corretora de imóveis.

Padre: Olha! Meu pai era corretor de imóveis na cidade dele: Ipameri.

Mulher: A família do senhor é de Ipameri?A minha também! Por parte de mãe.

Padre: Que coincidência, minha filha! Eu nunca fui lá, mas dizem que é lindo.

Mulher: É uma graça… Que nem o senhor.

pausa ainda mais longa que a anterior

Mulher: Padre. O que o senhor acha de a gente continuar essa confissão… fora da Igreja.

Padre: Continuar a confissão?

Mulher: É padre, a confissão, a confissão. Vai continuar sendo uma confissão. Só que no boteco ali da esquina.

Padre: Ali da esquina?

Mulher: Ou lá perto de casa, que fica a uma meia hora daqui.

Padre: Bom… Eu não sei…

Mulher: Poxa, padre. Eu não vou poder terminar minha confissão? O senhor vai fazer isso comigo?

Padre: Não é isso, minha filha.

Mulher: É só uma confissão.

Padre: Mas vai ser uma confissão, não é?

Mulher: Claro, padre claro. Ainda uma confissão.

pausa

Padre: Bom… É… Sendo assim, eu acho que não há mal.

Mulher: Ai, que bom, padre, que bom!

Padre: Mas com uma condição.

Mulher: Qual?

Padre sai do confessionário, olha para mulher, pega-a pelas mãos, levanta e fica face a face com ela. Ele olha bem nos olhos dela e diz:

Eu continuo te chamando de “minha filha”, e você me chame de “senhor”.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Azar o teu

Antônia: Eu quero. Eu quero!

André: Espera.

Antônia: Eu não agüento. Eu quero. Eu quero!

André: Eu já disse pra você esperar.

Antônia: Por quê?

André: O quê?

Antônia: Esperar por quê?

André: Por que é mais gostoso assim.

Antônia: Mas eu to explodindo, André.

André: Eu não disse que eu não vou dar. Só não vou dar agora.

Antônia: Quando? Quando?

André: Daqui a pouco.

Antônia: Daqui a pouco quando? Me diz uma hora. Me dá uma minutagem.

André: Uma minutagem?

Antônia: Uma minutagem. Eu preciso de uma minutagem.

André: Três.

Antônia: Três minutos.

André: Três minutos.

Antônia: Começando quando?

André: Agora.

(Agora o leitor pára de ler esta cena aqui. Olha para o relógio de seu computador ou de pulso ou do celular. E aguarda três minutos. Quando o tempo acabar, desça a barra de rolagem até o fim da cena para ler o final)

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Se passam apenas alguns segundos. Sem que André veja, Antônia pega um biscoito de chocolate e o come. André percebe.

André: Eram só três minutos. Três minutos. Eu te pedi três minutos! Você podia ter minimizado a página, ido a um outro site, levantado até o banheiro ou até ter esperado três minutos pacientemente, em frente ao computador! Mas você não agüentou. E comeu o doce antes do tempo. Azar o teu.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sobre a verdade

Homem: Uma gota. Verde. Era uma gota verde. Só isso. Uma gota – líquida, claro, na medida que se pressupõe que todas as gotas sejam líquidas – só que verde. Um verde assim… verde, sabe? Sabe verde? Sabe quando a gente é criança e pensa no verde? Quando você é criança, verde é verde. Depois você cresce e começa a surgir o verde piscina, verde musgo, verde oliva, verde claro, verde escuro, verde bandeira. Mas quando você é criança e pensa no verde, vem aquela cor sólida e única. Aquela cor verdadeira. Sem variação. É aquilo e ponto. Então. Essa gota tinha esse verde que eu to falando. O verde verdade. O verde que a gente pensa quando é criança. Verde verdade. E eu fiquei catatônico quando eu vi essa gota verde verdade. Por que ela era. Ela era! Só isso, ela era. Quando você vê uma gota vermelha ela pode ser sangue. Amarela, urina. Laranja, suco. Preta, sujeira. Mas a gota verde não. Você não pensa em nada. Só na gota. E ainda mais com esse verde. Ela era uma gota verde verdade. E eu olhava praquela gota. Eu olhava praquela gota. Foi a primeira vez. A primeira vez que eu parei de pensar. Era só sentido. Era só ser. Éramos eu, a gota e o mundo. Mas sem essa divisão que eu to falando agora. Era só uma coisa só. Era a verdade. A verdade. E eu vi e era ao mesmo tempo. Eu vi a verdade. Foi por muito pouco tempo, mas eu vi a verdade. E ela era verde.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O bidê e a insônia

Um homem numa sessão de análise.

Homem: Eu não consigo dormir. Eu não consigo dormir mais. E a culpa é dos fabricantes de bidê. Eu não consigo mais dormir e a culpa é dos fabricantes de bidê. Eu tenho passado noites em claro pensando no bidê. Tenho prazer. Eu me regozijo, por exemplo toda vez que eu entro no banheiro e vejo o bidê. Você entende o bidê? Ele tem exatamente a mesma forma do vaso sanitário. As as pessoas sentam, lá, como sentam no vaso sanitário. Ele inclusive fica quase sempre ao lado do vaso sanitário. Então porque o bidê não tem um assento como o do vaso sanitário? Aquele que os homens levantam na privada para fazer xixi, sabe? Porque é que nenhum fabricante meteu um assento daqueles em cima do bidê? Não tem explicação. Mas a culpa é do fabricantes. A culpa é dos fabricantes! A não ser que os fabricantes de bidê são uns sádicos desgraçados e adoram ver o desespero do usuário ao sentir a região interna das coxas em contato com aquela porcelana gelada! Mas essa explicação seria fácil demais. Eu encontrei uma explicação muito mais lógica. Os fabricantes de bidê são os mesmos fabricantes do chuveirinho. Eu pesquisei. Acompanha meu raciocínio: O lucro por peça fabricada de bidê é de 17,8%. Eu pesquisei. Já o lucro por cada chuveirinho que é vendido ao sair da fábrica é de 21,4. Eu também pesquisei. Eu sei que pode não parecer muito. Mas levando em conta que 8% da população mundial que usa papel higiênico preferem complementar a higiene pós-fecal com água, sai muito mais em conta para os fabricantes que as pessoas deixem de usar bidê e passem a usar chuveirinhos. Por isso eu fui ignorado pelas 143 empresas fabricantes de bidês para as quais eu mandei carta sugerindo o uso de assento nos bidês. Porque eles querem forçar o mundo a parar de comprar bidês. É um complô contra os bidês. Um complô que tá me tirando o sono. Eu não consigo mais dormir. E a culpa é dos fabricantes de bidê.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A primeira vez de um homem

Ela lê jornal.

Homem: Moça.

Mulher: Sim?

Homem: Será que a senhora poderia me dizer como é que é?

Mulher: Como?

Homem: Como é que é?

Mulher: A sua mãe?

Homem: O quê?

Mulher: Como é que é a sua mãe?

Homem: Eu sei como é a minha mãe.

Mulher: Ótimo. Então não precisa me perguntar.

Homem: Mas eu não tava perguntando dela.

Mulher: Como é que eu ia adivinhar.

Homem: Tava falando de lá de dentro.

Mulher: Dentro?

Homem: Como é que é lá dentro?

Mulher: Com paredes.

Homem: E?

Mulher: Teto.

Homem: E…

Mulher: E eu tenho coisas mais interessantes a fazer do que ficar falando com o senhor neste momento.

Homem: Por favor.

Mulher: O Gente Boa de hoje ta um arraso.

Homem: Me conta.

Mulher: E eu ainda nem cheguei na Kogut.

Homem: É que a minha primeira vez.

Mulher: Eu notei.

Homem: Notou?

Mulher: Com o plim do elevador quando o senhor chegou aqui.

Homem: Mas é tão evidente assim?

Mulher: Criança com sarampo.

Homem: Oi?

Mulher: Mais evidente que criança com sarampo.

Homem: Ta escrito na minha testa?

Mulher: No corpo todo, meu senhor, no corpo todo.

Homem: No corpo todo?

Mulher: Se o senhor estivesse plantando bananeira de costas no escuro a cem metros de distância do meu campo de visão, mesmo assim eu teria notado.

Homem: Nossa…

Mulher: Pois é.

Homem: Desculpa…

Mulher: Está perdoado.

Homem: Não, eu não estava pedindo desculpas.

Mulher: O senhor disse “desculpa”.

Homem: É uma forma de começar uma frase.

Mulher: E “está perdoado” é uma forma de cortá-la.

Homem: Por que é que a senhora é tão mau humorada?

Mulher: Porque o senhor é insistente.

Homem: Mas eu só fiz uma pergunta.

Mulher: E eu só estou dando respostas.

Homem: Grossas.

Mulher: Da espessura das minhas respostas cuido eu.

Homem: Tenha sensibilidade.

Mulher: De sensível já basta minha pele.

Homem: É a minha primeira vez!

Mulher: E a minha oitocentésima terceira.

Homem: Eu estou nervoso.

Mulher: E eu estou irritada.

Homem: Por quê?

Mulher: O senhor nasceu.

Homem: Mas será possível que você não pode respeitar a primeira vez de um homem?

Mulher: Quem disse que eu não respeito?

Homem: Então porque a senhora não pode me contar como é?

(pausa)

Mulher: Pra quê o senhor quer saber antes?

Homem: O quê?

Mulher: Pra quê o senhor quer saber antes? O senhor não vai entrar? Lá dentro?

Homem: Vou.

Mulher: Então porque saber antes? Por que o senhor não espera, entra e descobre? A sua primeira vez? Por que o senhor não espera e descobre a sua primeira vez?

(longa pausa)
(o homem espera)
(a sua primeira vez)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A VOLTA

Mulher: Láudano?

Rapaz: Mantém o corpo quente.

Mulher: Pra quê?

Rapaz: Pras pessoas acharem que ainda tá vivo.

Mulher: Tem certeza que funciona?

Rapaz: Sabe a Fifi?

Mulher: Ahn.

Rapaz: Ela não tá dormindo.

Mulher: Você envenenou minha cadela?

Rapaz: Eu tinha que testar em alguém.

Mulher: Mas precisava ser na Fifi?

Rapaz: Qual a diferença? A gente vai estar morto daqui a meia hora.

Mulher: A cachorra não tem nada a ver com isso.

Rapaz: Melhor morrer envenenada do que morrer de fome.

Mulher: Morrer de fome?

Rapaz: Não ia ter quem cuidasse dela.

Mulher: Alguém ia cuidar.

Rapaz: Quem?

Mulher: Quem quer que encontrasse a gente.

Rapaz: Você quer dizer nossos corpos.

Mulher: É. A gente.

Rapaz: Ela morreria de fome até então. Vai demorar até que encontrem a gente.

Mulher: Os nossos corpos?

Rapaz: Isso. A gente.

Mulher: Por quê?

Rapaz: Eu já te falei. Láudano mata mas mantém o corpo quente.

Mulher: E daí?

Rapaz: Não fede até o terceiro dia.

Mulher: Ah, então não quero.

Rapaz: Não feder até o terceiro dia?

Mulher: Uma morte tão discreta.

Rapaz: Mas a graça é essa. Ninguém vai ter percebido que a gente morreu.

Mulher: Mas não tem a menor graça. O que é que os vizinhos vão dizer?

Rapaz: Por um bom tempo nada.

Mulher: Não pode. Daí o suicídio não faz sentido. A graça tá no comentário. Suicídio só tem graça porque gera comentário.

Rapaz: Agora não tem mais volta.

Mulher: Como não tem mais volta?

Rapaz: Eu já comprei o láudano.

Mulher: Troca por sicuta.

Rapaz: Ele não tinha sicuta.

Mulher: Estricnina então.

Rapaz: A gente tá falando de veneno não de polaina.

Mulher: Polaina?

Rapaz: Que pode trocar em loja. Não é que nem veneno de laboratório. Consegue o que tem.

Mulher: Achei sem graça esse láudano.

Rapaz: É o que tem.

Mulher: Então vamos fazer de uma forma bem ridícula.

Rapaz: De uma forma bem ridícula?

Mulher: Pras pessoas comentarem.

Rapaz: Como assim?

Mulher: Você se veste de Robin e eu fico pelada.

Rapaz: Hein?

Mulher: E a gente toma o veneno deitado na porta da frente.

Rapaz: Deitado na porta da frente?

Mulher: Pra todo mundo ver.

Rapaz: Você pelada e eu de Robin?

Mulher: Se você preferir vai de outra coisa. É que já tem a fantasia do Robin.

Rapaz: E você pelada?

Mulher: Não tem fantasia pra mim.

Rapaz: Você está com cento e trinta quilos.

Mulher: Justamente por isso não tem fantasia pra mim.

Rapaz: Você não tem nem um pouquinho de vergonha?

Mulher: Vergonha de quê?

Rapaz: De ficar pelada em público com cento e trinta quilos?

Mulher: Eu vou estar morta. Pelo menos vai dar o que falar. Vão ficar achando que era algum ritual.

Rapaz: Envolvendo uma mulher de sessenta anos pelada e um homem de vinte e oito usando uma fantasia de super herói?

Mulher: É contemporâneo. Vai pegar a fantasia que eu vou tirando a roupa. O láudano tá onde?

Rapaz: Na garrafa de suco de luz.

Mulher: Suco de luz?

Rapaz: É contemporâneo.

Mulher: Eu vou pegar.

(mulher sai, enquanto rapaz se veste de robin. Ela volta completamente nua)

Mulher: Como é que você sabe que a Fifi morreu mesmo?

Rapaz: Eu misturei láudano com Bonzo.

Mulher: Mas e o efeito? Como é que você sabe que fez efeito?

Rapaz: Eu não sei tirar pulso de cachorro.

Mulher: Ela tá respirando?

Rapaz: Não. Mas a Fifi tem um respirar bem leve. Nem dá pra reparar.

Mulher: É verdade. Ô cadelinha de respiração leve. (pausa) Mas e se ela volta?

Rapaz: Como assim volta?

Mulher: À vida. E se ela volta à vida.

Rapaz: Ela não vai voltar.

Mulher: Como é que você pode ter certeza?

Rapaz: Ela não vai voltar.

Mulher: Tá pronto?

Rapaz: Super.

(os saem da casa e deitam na porta da frente)

Rapaz: Vamos logo que se alguém passa aqui eu morro de vergonha.

Mulher: Melhor. Sobra mais veneno pra mim.

Rapaz: Você vai botar a bunda na minha cara?

Mulher: Tem que ficar um pose ridícula.

Rapaz: Mas assim tá demais…

Mulher: Deixa de ser chato.

Rapaz: Me dá logo esse veneno que eu já tô louco pra morrer.

(Rapaz toma o veneno. Mulher também. Os dois morrem. Trinta segundos depois Fifi volta à vida)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

GÊNESE

Um menino de 5 anos e uma bicha de uns 60. A bicha é grisalha com feições indígenas.

Bicha: Voal.

Menino: A gente vai voar?

Bicha: Não, criança chata. Voal é um tecido de quinta usado por gente de sexta que acredita que qualquer coisa que levanta quando bate uma brisa é chique.

Menino: Gente de sexta?

Bicha: Seres rastejantes que deixam suas peles encostar em excrementos tais como polyester e chita.

Menino: Mas Chita não é a macaca do Tarzan?

Bicha: Ai… Tarzan… O que um belo corpo não é capaz de fazer com um pedaço de tecido. Transforma qualquer trapinho sujo e esfarrapado numa desejada tanga bem recheada, senhora dos sortilégios lascivos da pura masculinidade.

Menino: O quê?

Bicha: Nada, não.

Menino: Vamos jogar futebol?

Bicha: Cruuuuuuuuuuuzes. Blusa de jerse com calção de nylon? Nem morta.

Menino: Soltar pipa?

Bicha: Só se for com linha de seda.

Menino: Esconde-esconde?

Bicha: Vai ter bofe?

Menino: Que que isso?

ENTRA UMA SENHORA. A BICHA SE RECOMPÕE E VIRA MACHO.

Senhora: Jacinto, a pia da cozinha tá pingando de novo.

Bicha (agora macha): Pode deixar que eu concerto meu amor. E é pra já!

BICHA SAI. FICA SENHORA E MENINO.

Senhora: Ai, seu avô é um homem e tanto. Quando crescer eu queria muito que você fosse igual a ele, Clô. Igual a ele.

Menino: Igualzinho, vovó?

Senhora: Igualzinho.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

COMÉDIA RUSSA


Estréia dia 7 de outubro "Comédia Russa", novo espetáculo dos Fodidos Privilegiados, Thelmo está no elenco.


"Comédia Russa" é o novo espetáculo dos Fodidos Privilegiados que estréia em outubro no Teatro Nelson Rodrigues no Rio de Janeiro. O texto é de Pedro Brício e a direção de João Fonseca. No elenco estão Rodrigo Nogueira, Natália Lage, Thelmo Fernandes, Rose Abdallah, Roberto Lobo, Alex Pinheiro, Daniela Olivert, Cristina Mayrink, Filomena Mancuzo, Ricardo Souzedo e Marcos Correa.

A temporada será de 7 a 24 de outubro.

fonte: http://www.thelmofernandes.com.br/setup/198-comedia.html

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

PRA SEMPRE

Homem: Você não trem o que temer…

Mulher: Hein?

Homem: Você. Você não tem o que tremer.

Mulher: Eu não tenho que tremer?

Homem: Não foi isso que eu disse.

Mulher: Foi sim.

Homem: Foi?

Mulher: E no início ainda falou “trem.”

Homem: Falei?

Mulher: Falou. “Não trem o que temer.”

Homem: Não! Eu disse “não tem o que temer”.

Mulher: Não disse não.

Homem: É claro que eu disse.

Mulher: Nem da segunda vez.

Homem: Segunda vez?

Mulher: Quando eu perguntei “hein” você respondeu “não tem o que tremer”.

Homem: É a mesma coisa.

Mulher: Temer e tremer?

Homem: É. A mesma coisa.

Mulher: Desde quando?

Homem: Quem teme, treme.

Mulher: Mas nem todo mundo que treme teme. Tem gente que treme de frio.

Homem: E daí?

Mulher: Treme, mas não teme.

Homem: Eu não tô entendendo.

Mulher: VOCÊ, não está entendendo?

Homem: Qual o trema dessa conversa.

Mulher: Não tem.

Homem: Hein?

Mulher: Não tem trema. O trema foi abolido na reforma linguística..

Homem: Você não pronunciou o “u” de linguistica.

Mulher: Justamente. O trema foi abolido.

Homem: Mas não na pronúncia.

Mulher: Eu sou assim. Não gusto de fazer diferença entre linguagem escrita e falada.

Homem: Gusto?

Mulher: Tenho lido uns livros em espanhol.

Homem: Júliaaaaaaa!

Mulher: O quê????

(silêncio)

Homem: Eu só queria dizer que você não precisa se preocupar! Por que é que a gente sempre desvirtua assim as nossa conversas?

Mulher: Por que senão seria chato.

ELE ABRE UM SORRISO. OS DOIS SE OLHAM CÚMPLICES.

Mulher: Sobre o que é que eu não preciso me preocupar mesmo?

FIM

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Hoje

Menino: Mãe, eu quero biscoito de leite.

Mãe: Acabou o biscoito, meu filho.

Menino: Não dá pra comprar?

Mãe: Ponto na zona foi fraco ontem, meu filho.

Menino: Mas nem um trocadinho tem?

Mãe: Tive que voltar ajoelhada no ônibus pra pagar a passagem, se é que você me entende.

Menino: É o quê?

Mãe: Deixa pra lá.

Menino: Cadê o Totó?

Mãe: Cinomose.

Menino: E o papai?

Mãe: Cirrose.

Menino: Vamos brincar?

Mãe: Não consigo.

Menino: Por quê?

Mãe: Gonorréia.

Menino: Você tá de piriri, mamãe?

Mãe: Também.

Menino: Comida estragada de novo?

Mãe: Cacofagia com um cliente.

Menino: Quê?

Mãe: Comi merda de um filho da puta.

Menino: Posso brincar na rua então?

Mãe: Fechada.

Menino: Outro acidente?

Mãe: Tiroteio com a milícia.

Menino: Então o Beto ta no bangue-bangue?

Mãe: Não, meu filho.

Menino: Tá onde?

Mãe: Tá morto.

Menino: Morreu?

Mãe: No bangue-bangue hoje de manhã.

Menino: Mas ninguém me falou nada.

Mãe: Quiseram te poupar.

Menino: Poupar?

Mãe: Por causa da tua leucemia.

Menino: Minha o quê, mamãe?

Mãe: Gripe.

Menino: Cê tá desanimada, mamãe?

Mãe: Hepatite.

Menino: Quer ir pro quarto.

Mãe: Quero não.

Menino: Por quê?

Mãe: Lá tem sarna.

Menino: O que é que você quer fazer?

Mãe: Isso.

Menino: Isso o quê?

Mãe: Nada.

Menino: Tá bom. Então eu faço nada com você.

SILÊNCIO

Menino: Mamãe.

Mãe: O quê?

Menino: Eu te amo.

SILÊNCIO

Mãe: Eu também, meu filho. Eu também te amo.

ELA SE LEVANTA RAIVOSA

Menino: Desistiu de fazer nada, mamãe?

Mãe: Desisti.

Menino: Por quê?

Mãe: Me lembrei que eu tenho que fazer o imposto de renda. Hoje é o último dia pra entregar o imposto de renda. Imposto de renda acaba comigo. Que tragédia.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Normal

Mesa de bar. Uma pessoa sentada. De costas para a platéia. Outro aborda.

Homem: Oi. Dá licença. Você tem fogo? (pessoa faz que não) Não? E essa caixinha de fósforo ta fazendo o quê em cima da mesa? (pessoa sentada responde algo que não ouvimos) Ah (fala mais alguma coisa que não ouvimos) Jura? Com um cágado? Que interessante. Bom mas se essa caixinha não é sua então você provavelmente não fuma, acertei? Ah, que ótimo. Então esse é o lugar ideal pra eu me sentar e você a companhia perfeita pra mim. (se sentando e mudando de tom) Não. Desculpa. Eu não quis te passar uma cantada barata, imagina. È que ultimamente eu só tenho me sentado em lugares seguros. Lugares livres da fumaça. Você sabia que um fumante passivo tem a mesma chance de ter câncer de pulmão do que um fumante… ativo? Pois é. Eu percebi que eu estava morrendo aos poucos quando ficava perto dessa gente… Os fumantes. Cada inalada que eu dava na fumaça alheia era uma aumento significativo de chance de ter câncer de pulmão. Fora que é muito anti-higiênico… você respirar uma coisa que já esteve dentro da outra pessoa. Por que é isso que acontece, né? Você inala o resquício do vício da outra pessoa. Você respira o resquício do vício da outra pessoa. Você bota pra dentro do seu corpo o resquício do vício da outra pessoa. Agora pergunta prum fumante se ele aceitaria botar pra dentro o resquício do vício de alguém que bebe cerveja… Claro que não. Claro que não. Porquê? Porque é nojento. Ora, faça me o favor. Beber mijo não pode mas respirar fumaça usada é normal? (quebra) É por isso que eu estou mudando de amigos. Não dava pra continuar com os meus amigos. Todos eles fumam. Uma coisa impressionante. Vão comer num restaurante: fumam. Sentam numa mesa de bar: fumam. Saem do cinema: fumam. Gente! Será que o cigarro é um item tão essencial pra discutir Woody Allen, jogar conversa fora ou digerir um prato de carpaccio! Pra mim não. E quer saber? Eu to me sentindo ótimo. Eu ainda não achei novos amigos, mas só de me livrar dos fumantes já foi um passo e tanto. Eu não posso em sã consciência chamar de amigo quem me mata aos poucos com fumaça de cigarro. Graças a Deus, a minha vida está mudando. Graças a Deus! (Olha pra caixa de fósforo) Um cágado! Mas que curioso… (quebra) Aliás ontem eu decidi que vou mudar de namorada também. Vou mudar de namorada. Namorada. Vou mudar de namorada. E porque não? Foi enorme! Eu tive uma decepção enorme. Quando a gente ta apaixonado a gente fica cego pros defeitos da pessoa. Acaba aceitando umas coisas, umas atitudes que com o passar do tempo vão se repetindo e acabam minando um relacionamento. E ontem eu cheguei à conclusão de que eu já não to mais tão apaixonado assim a ponto de ignorar os defeitos da minha namorada. Ela tem uma fungada lateral. (tenta fazer). Não sei imitar. É uma coisa horrenda. Ela faz um troço com o nariz. Dá até medo. A qualquer momento. No meio de uma conversa, comendo, (falando baixo) até no sexo ela já fez. Lateral. Uma fungada lateral. Esquerda. A diaba só pelo lado esquerdo! Eu comecei perceber que não adianta tapar o sol com a peneira, sabe? Lado esquerdo… Não ia rolar. Eu não podia passar o resto da minha vida com uma pessoa que aquilo. Fora que ela tem as articulações da mão muito maleáveis. Parece de borracha. Tem umas posições que ela faz com mão que me incomodam muito. Encostar os dedos no punho. Sei lá. Também é meio nojento… (Solta uma risada meio solta) Cágado! A caixa de fósforo ta aí por causa… Uma coisa impressionante. Muita coincidência. Um cágado. (pessoa fala algo que não ouvimos) Oi? Terapeuta? Engraçado você perguntar isso porque eu também decidi que vou mudar de terapeuta. É. Ela não tava me ajudando em nada. Terapeuta. A minha terapeuta. Só tava me deixando pior! Primeiro que ela falava “que seje”! Que seje! Gente! Como é que eu posso falar da minha vida, dos meus problemas mais íntimos pra alguém que não sabe conjugar o verbo ser na terceira pessoa do subjuntivo. Não há a menor possibilidade. E ela também usa uma calça da Dimpus semi-baggy em pelo século XXI! Parece até piada. E se eu te falar da cor do esmalte dela então. Você vai cair pra trás. (A pessoa se levanta) Não espera aí… Você já ta indo embora? Fica mais tempo. Vamos conversar. É que como você não fuma eu pensei que você pudesse ser minha amiga. (T) Minha namorada? (T) Minha terapeuta? Volta! (Homem se senta confortável na cadeira olha pra caixa de fósforo e sorri). Um cágado!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A história de Romeu e Julieta

Personagens: Avó – mulher, 56 anos
Suzane v.H. – menina, 5 anos

Suzane V.: Como assim, vovó?

Avó: Você já me fez essa pergunta.

Suzane V.: O quê?

Avó: Outra pergunta.

Suzane V.: Hein?

Avó: Faz outra pergunta.

Suzane V.: Mas eu quero fazer essa.

Avó: Ta bem. Qual é a pergunta?

Suzane V.: Hoje entrou uma menina nova lá na escolinha. Daí, a tia Aldene falou que o nome dela é Julieta..

Avó: Cadê a pergunta? Até agora você só fez 2 afirmações.

Suzane V.: Como é que o nome dela pode ser Julieta?

Avó: Cadê meu rivotril?

Suzane V.: Como é que o nome dela é Julieta?

Avó: Isso é rivotril ou ruipinol?

Suzane V.: Responde vovó.

Avó: Diabo de vista cansada.

Suzane V.: Responde.

Avó: Qual é a pergunta, meu Deus?

Suzane V.: Como é que o nome da menina é Julieta? Julieta não é aquela coisa vermelha que eu como junto com Romeu de sobremesa?

Avó: Não, Suzane. Aquela coisa vermelha é goiabada. Que você come junto com queijo. Os nomes são goiabada e queijo. Romeu e Julieta são outra coisa.

Suzane V.: Não to entendendo, vovó.

Avó: Graças a deus. Ocadil ainda tem.

Suzane V.: Como é que aquela coisa vermelha é isso daí que você falou e aquela coisa branca é queijo se a mamãe sempre fala que é Romeu e Julieta?

Avó: Não me irrita Suzane. Não me irrita que hoje só tem Ocadil. E a sua mãe fala muitas coisas.

Suzane V.: Então a mamãe mente?

Avó: Claro que ela mente. Ela e o resto do mundo.

Suzane V.: Não to entendendo, vovó. Não to entendendo.

Avó: Todo mundo mente. O mundo mente. Mente.

Suzane V.: Vovó. Não to entendo, vóvó. Não to mesmo.

Avó: Ah, não ta? Então senta aqui que a vovó vai te explicar. As pessoas são loucas, minha neta. Loucas. Elas dizem uma coisa e querem dizer outra. Elas dizem uma coisa e querem dizer outra. Elas dizem uma coisa e querem dizer outra.

Suzane V.: Você já falou isso, vovó.

Avó: Elas dizem uma coisa e querem dizer outra.

Suzane V.: Mas, vovó. Você já falou isso.

Avó: Fica quieta! Pelo menos eu estou dizendo uma coisa que eu quero dizer. As pessoas não. As pessoas. As pessoas dizem uma coisa e querem dizer outra.

Suzane V.: Ta bom, vovó.

Avó: Elas dizem que são normais, mas compram revistas com fotos dos outros mostrando seus banheiros. Elas dizem que são equilibradas, mas pagam pra ter uma toxina que mata carrapato de boi injetada no canto dos olhos. Elas dizem que são honestas, mas só vendem pacotes com doze salsichas e oito pães de cachorro quente!

Suzane V.: Não to entendento vovó.

Avó: Sempre sobram quatro salsichas!

Suzane V.: Salsicha é tão gostoso.

Avó: As pessoas mentem, minha neta. Elas mentem!

Suzane V.: Então quer dizer que a minha sobremesa preferida não é Romeu e Julieta?

Avó: Não.

Suzane V.: É gobada com queijo.

Avó: Goiabada, analfabeta.

Suzane V.: Que que é analfabeta, vovó?

Avó: Você.

Suzane V.: Por que que eu sou isso aí que você falou, vovó?

Avó: Porque você não sabe ler, analfabeta. Nem escrever.

Suzane V.: Mas eu só tenho cinco anos.

Avó: A culpa não é minha. Você continua sendo analfabeta.

Suzane V.: Vovó, me explica uma coisa.

Avó: Ai, meu deus, de novo.

Suzane V.: Se a minha sobremesa preferida não é Romeu e Julieta… o que é Romeu e Julieta, vovó?

Avó: Um casal de namorados que – impedidos de se amar pelas famílias – acabou se matando. Ela com veneno, ele com uma facada. Ou um tiro na cabeça se você levar em conta a refilmagem do Baz Lhurman.

Suzane V.: Romeu e Julieta são dois mortos?

Avó: Exatamente.

Suzane V.: Romeu e Julieta… são… um menino… e uma menina… e eles… estão…mortos?

Avó: Ficou surda agora?

Suzane V.: Buáaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Avó: Se controla Suzane. Se controla que hoje só tem Ocadil.

Suzane V.: A minha sobremesa preferida são dois mortos. Buáaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Avó: Suzane.

Suzane: Buáaaaaaaaaaa.

Avó: Suzane!

Suzane: Buáaaaaaaaaaa.

Avó: SUZANE!

Suzane silencia.

Avó: Eles não morreram de verdade.

Suzane V.: Mas você disse que eles morreram.

Avó: Eles não existiram.

Suzane V.: Como é que eles não existiram, vovó? Eles têm até nome.

Avó: Eu sei, minha neta. Mas eles são personagens.

Suzane V.: Personagens?

Avó: De ficção.

Suzane V.: O que é que é ficção, vovó?

Avó: Tudo que é de mentirinha.

Suzane V.: Mas você disse que todo mundo mente, vovó.

Avó: É verdade.

Suzane V.: Então todo mundo é de ficção, vovó?

Avó: Exatamente, minha neta. É tudo ficção.

Mãe grita de dentro.

Mãe: Suzane, vem almoçar senão vai ficar sem sobremesa.

Suzane sai correndo.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Estreia de "Madrigal em Processo"

Nesse momento está acontecendo a estreia da peça "Madrigal em Processo" da Cia. Pequena Orquestra.


01 SET. - 16 SET

QUARTAS E QUINTAS 21H

TEATRO SÉRGIO PORTO



Madrigal trata-se de um espetáculo em construção, que fala sobre a fabricação da realidade e o embate entre verdade e ficção. Criado a partir das obras "A invensão de Morel" de Adolf oBioy Casares e "Blow up" de Michelangelo Antonioni.



Criação: Fabricio Belsoft, Fernanda Félix, Joana Lerner, Keli Freitas, Michel Blois, Pedro Henrique Monteiro, Rodrigo Nogueira, Thiare Maia.
Atores convidados: Aline Fanju, Bianca Joy, Eleonore Guisnet, João Velho, Paulo Vertings.

Madrigal em Processo

ENTREVISTA DE 27 DE OUTUBRO DE 2009 COM RODRIGO NOGUEIRA SOBRE SUA PEÇA "MADRIGAL EM PROCESSO" DA CIA. PEQUENA ORQUESTRA


Rodrigo Nogueira fala sobre "Madrigal em Processo"
Por Joana Rizério

Joana R - Como funciona esse novo experimento, “encenação em tempo real”?

Rodrigo Nogueira -Uma obra é a soma de muitas coisas e não só da visão do artista que a apresenta. A principal soma é: visão do artista + visão da platéia. A encenação em tempo real lida com o “agora” o tempo todo. É claro que temos algo preparado para apresentar, mas devemos levar em conta tudo que está relacionado ao tempo presente da apresentação. Se o dia foi ensolarado, certamente vai ser uma apresentação diferente de uma cujo dia foi chuvoso. Encenamos no agora, no tempo real e temos que levar em conta isso para não cairmos na repetição mecânica. Se a platéia está cheia e animada vai ser diferente de uma platéia mais vazia e reservada. Ou vazia e animada!

Como vocês fazem para que o improviso da “obra aberta” - apresentação em que as cenas podem ser refeitas, cortadas ou trocadas na hora - não afaste o público da narrativa do espetáculo?

Essa é uma questão bem delicada e muito pertinente pro nosso coletivo. Eu sempre digo uma frase de Harold Pinter que mata a charada: uma coisa pode ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa. Acho que o teatro é assim, principalmente o que se faz no dia de hoje. Para nós, o ideal é que o público olhe para o palco e veja duas coisas ao mesmo tempo: um ator dizendo um texto e manipulando uma realidade e um personagem dizendo falas e vivendo uma vida. A junção das duas coisas é crucial para que aconteça o espetáculo. Portanto, temos espaço sim para improvisar e lidar com o agora. Mas temos que contar uma história, e para isso temos uma estrutura que não muda. Pelo menos não antes de a peça começar!


O filme Blow Up, além de ter sido uma produção fabulosa, foi transformadora porque trouxe pela primeira vez o nu não-erótico ao grande público. Podemos esperar um conteúdo revolucionário ou polêmico como o do filme em Madrigal em Processo?

O madrigal chama muita atenção de quem vê sim. Mas essa "polêmica" não se relaciona a nudez ou algo do tipo, e sim ao que está acontecendo no palco. O público vai duvidar muitas vezes se o que vê é criação da Pequena Orquestra ou realidade. A peça começa na rua e confunde quem a vê desde então. Tudo que se vê pode, no minuto seguinte, ser revelado como uma ilusão. E essa é a nossa ligação com Blow Up: na hora de tirar as fotos, o fotógrafo do filme não viu nada além de uma mulher que corria pelo parque. Ao revelar as fotos, ele viu a história de um assassinato. Quanto mais ele ampliava as fotos, mais essa história ia se confirmando, mas mais as fotos pareciam borrões e ao mesmo tempo, uma obra de arte. Percebe o paradoxo?

Na peça, contamos duas histórias: a primeira é a de um homem que fotografou um café vazio, e ao revelar o filme, encontrou uma mulher de vermelho, sentada. A outra história é a de uma mulher que estava num café e se apaixonou, mas não sabe por quem. Desde então, ela repete todos os dias os mesmos movimentos até a hora da paixão, para ver se alguém passa e ela descobre por quem está apaixonada (essa é uma história inspirada no livro A Invenção de Morel). Já ele, sai em busca dessa mulher misteriosa de vermelho que não sabe quem é. O que é verdade e o que é ilusão fica a cargo de...