Uma pessoa sentada (ou deitada) de costas para a platéia. Um homem de branco a examina.
Paciente: E então, doutor?
Médico: Só mais um minutinho.
Paciente: Ai, que agonia.
Médico: Pronto.
Paciente: E então.
Médico: É o que eu imaginava.
Paciente: O que o senhor imaginava?
Médico: É um caso extraordinário. Eu nunca vi uma coisa igual.
Paciente: Mas o que é, doutor?
Médico: Trata-se de uma unha.
Paciente: Uma unha?
Médico: Uma unha.
Paciente: Mas é roxa, doutor.
Médico: Aì está o extraordinário do caso. Ela está pintada.
Paciente: Uma unha pintada?
Médico: Uma unha pintada.
Paciente: E de roxo.
Médico: Pois é.
Paciente: Doutor, mas como é que pode, doutor? Como é que pode ter nascido uma unha pintada de roxo, doutor? E bem no meio da minha testa?
Médico: É um caso extraordinário, não?
Paciente: Mas como é que isso foi acontecer.
Médico: Isso é o que nós temos que descobrir. Eu vou fazer algumas perguntinhas para a senhora e queria que a senhora tentasse ao máximo lembrar dos detalhes ao responder, pode ser?
Paciente: Sim, pode…
Médico: Vamos lá: qual foi a última vez que a senhora esteve numa usina atômica, num campo de dejetos radioativos ou num laboratório de enriquecimento de plutônio.
Paciente: Eu nunca estive em nenhum desses lugares, doutor.
Médico: Tem certeza. É preciso que a senhora pense muito antes de responder. Tente lembrar.
Paciente: Bom… Numa usina atômica, eu nunca estive. Até porque no Brasil, que eu tenha ouvido falar, só existe aquelas lá de Angra e eu nunca fui além de Paquetá.
Médico: Hum… Que saudades de paquetá.
Paciente: Num campo de dejetos radioativos eu não sei. Por que eu não sei exatamente o que são dejetos radioativos.
Médico: Sei…
Paciente: E num laboratório de enriquecimento de plutônio, eu também acho difícil. A não ser que eles enriqueçam plutônio no Sérgio Franco, onde eu fui mês retrasado levar um exame de urina.
Médico: Não. Acho que eles não enriquecem plutônio no Sérgio Franco.
Paciente: Pois é.
Médico: Próxima pergunta: a senhora já participou de testes de novos medicamentos ou serviu de modelo para experimentação de novos cosméticos.
Paciente: Eu já deixei a filha da vizinha pintar meu cabelo quando ela tava treinando pra ser tinturista no cabeleireiro onde ela trabalha.
Médico: A senhora sabe se o tonalizador usado continha uma mistura de ácido acétio glacial com xileno.
Paciente: Olha… Era casting.
Médico: Casting?
Paciente: Da l´Oreal.
Médico: Entendo.
Paciente: Faltam muitas perguntas doutor?
Médico: Existe na sua família algum caso de alteração genética pela exposição de raios gama?
Paciente: Olha, o meu pai tirava muita chapa…
Médico: Muita chapa?
Paciente: É que ele tinha negrume no pulmão, sabe?
Médico: Não, minha senhora, não sei. Em todo caso eram raios x.
Paciente: Isso. Raio-X.
Médico: A senhora travou contato com…
Paciente: Doutor, faltam muitas perguntas.
Médico: Eu receio que sim, minha senhora. As possibilidades são infinitas. E para o tratamento adequado nós temos que descobrir a causa da sua anomalia parietal…
Paciente: Anomalia parietal?
Médico: Isso. A unha na testa. Nós temos que descobrir como e porque surgiu a sua vigésima primeira unha. E para isso nós vamos fazer exames. Mas pra saber que tipo de exame a gente faz, é preciso fazer muitas perguntas.
Paciente: Entendi. (tempo). O senhor se importa se eu voltar amanhã pra responder a essas perguntas?
Médico: Bom… Eu acredito que não tenha problema. Apesar de ser um caso extraordinário, ele não representa perigo pra sua saúde.
Paciente: Ah, então tá ótimo. Então eu volto amanhã, tudo bem.
Médico: Mas a senhora vai voltar?
Paciente: Vou. Eu vou voltar, doutor.
Médico: Vai mesmo?
Paciente: Vou, eu juro que eu vou.
Médico: Olha, minha senhora. É muito comum que os pacientes se assustem e não voltem ao consultório após a descoberta de certas condições. Eu devo avisá-la que no seu caso, em se tratando de um caso extraordinário, a sua volta é muito importante.
Paciente: Mas doutor, eu já disse que vou voltar. Eu juro. Eu vou voltar.
Médico: Então porque é que a senhora está saindo assim com tanta pressa?
Paciente: É que eu preciso ir na Solange, doutor.
Médico: Solange?
Paciente: A minha manicure.
Méidco: Como?
Paciente: É que esse roxo tá me tirando do sério, doutor. Me tirando do sério!
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