sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Um caso extraordinário

Uma pessoa sentada (ou deitada) de costas para a platéia. Um homem de branco a examina.

Paciente: E então, doutor?

Médico: Só mais um minutinho.

Paciente: Ai, que agonia.

Médico: Pronto.

Paciente: E então.

Médico: É o que eu imaginava.

Paciente: O que o senhor imaginava?

Médico: É um caso extraordinário. Eu nunca vi uma coisa igual.

Paciente: Mas o que é, doutor?

Médico: Trata-se de uma unha.

Paciente: Uma unha?

Médico: Uma unha.

Paciente: Mas é roxa, doutor.

Médico: Aì está o extraordinário do caso. Ela está pintada.

Paciente: Uma unha pintada?

Médico: Uma unha pintada.

Paciente: E de roxo.

Médico: Pois é.

Paciente: Doutor, mas como é que pode, doutor? Como é que pode ter nascido uma unha pintada de roxo, doutor? E bem no meio da minha testa?

Médico: É um caso extraordinário, não?

Paciente: Mas como é que isso foi acontecer.

Médico: Isso é o que nós temos que descobrir. Eu vou fazer algumas perguntinhas para a senhora e queria que a senhora tentasse ao máximo lembrar dos detalhes ao responder, pode ser?

Paciente: Sim, pode…

Médico: Vamos lá: qual foi a última vez que a senhora esteve numa usina atômica, num campo de dejetos radioativos ou num laboratório de enriquecimento de plutônio.

Paciente: Eu nunca estive em nenhum desses lugares, doutor.

Médico: Tem certeza. É preciso que a senhora pense muito antes de responder. Tente lembrar.

Paciente: Bom… Numa usina atômica, eu nunca estive. Até porque no Brasil, que eu tenha ouvido falar, só existe aquelas lá de Angra e eu nunca fui além de Paquetá.

Médico: Hum… Que saudades de paquetá.

Paciente: Num campo de dejetos radioativos eu não sei. Por que eu não sei exatamente o que são dejetos radioativos.

Médico: Sei…

Paciente: E num laboratório de enriquecimento de plutônio, eu também acho difícil. A não ser que eles enriqueçam plutônio no Sérgio Franco, onde eu fui mês retrasado levar um exame de urina.

Médico: Não. Acho que eles não enriquecem plutônio no Sérgio Franco.

Paciente: Pois é.

Médico: Próxima pergunta: a senhora já participou de testes de novos medicamentos ou serviu de modelo para experimentação de novos cosméticos.

Paciente: Eu já deixei a filha da vizinha pintar meu cabelo quando ela tava treinando pra ser tinturista no cabeleireiro onde ela trabalha.

Médico: A senhora sabe se o tonalizador usado continha uma mistura de ácido acétio glacial com xileno.

Paciente: Olha… Era casting.

Médico: Casting?

Paciente: Da l´Oreal.

Médico: Entendo.

Paciente: Faltam muitas perguntas doutor?

Médico: Existe na sua família algum caso de alteração genética pela exposição de raios gama?

Paciente: Olha, o meu pai tirava muita chapa…

Médico: Muita chapa?

Paciente: É que ele tinha negrume no pulmão, sabe?

Médico: Não, minha senhora, não sei. Em todo caso eram raios x.

Paciente: Isso. Raio-X.

Médico: A senhora travou contato com…

Paciente: Doutor, faltam muitas perguntas.

Médico: Eu receio que sim, minha senhora. As possibilidades são infinitas. E para o tratamento adequado nós temos que descobrir a causa da sua anomalia parietal…

Paciente: Anomalia parietal?

Médico: Isso. A unha na testa. Nós temos que descobrir como e porque surgiu a sua vigésima primeira unha. E para isso nós vamos fazer exames. Mas pra saber que tipo de exame a gente faz, é preciso fazer muitas perguntas.

Paciente: Entendi. (tempo). O senhor se importa se eu voltar amanhã pra responder a essas perguntas?

Médico: Bom… Eu acredito que não tenha problema. Apesar de ser um caso extraordinário, ele não representa perigo pra sua saúde.

Paciente: Ah, então tá ótimo. Então eu volto amanhã, tudo bem.

Médico: Mas a senhora vai voltar?

Paciente: Vou. Eu vou voltar, doutor.

Médico: Vai mesmo?

Paciente: Vou, eu juro que eu vou.

Médico: Olha, minha senhora. É muito comum que os pacientes se assustem e não voltem ao consultório após a descoberta de certas condições. Eu devo avisá-la que no seu caso, em se tratando de um caso extraordinário, a sua volta é muito importante.

Paciente: Mas doutor, eu já disse que vou voltar. Eu juro. Eu vou voltar.

Médico: Então porque é que a senhora está saindo assim com tanta pressa?

Paciente: É que eu preciso ir na Solange, doutor.

Médico: Solange?

Paciente: A minha manicure.

Méidco: Como?

Paciente: É que esse roxo tá me tirando do sério, doutor. Me tirando do sério!

Nenhum comentário: