sexta-feira, 25 de junho de 2010

Doutor. Eu preciso da sua ajuda. Eu preciso da sua ajuda porque eu não tenho mais condições. Eu não tenho mais condições. Eu não tenho mais condições de seguir a dieta que a minha nutricionista me receitou. De tanta coisa que a diaba mandou eu cortar preferia que tivesse sido os pulsos de uma vez. O que, te confesso, eu tentei. Mas não deu muito certo não. Parece que o corte tem que ser na vertical. Maldita enfermeira que não sabe explicar! Enfim. O fato é que cheguei a um impasse. Eu não tenho mais condições de seguir a tal dieta. Mas não posso voltar a comer como eu gostaria. A verdade é a verdade e em 2010 nenhuma mulher consegue ter mais de sessenta quilos e ser feliz ao mesmo tempo.
É por isso que eu vim até o senhor. Eu gostaria que o senhor implantasse uma tênia saginata no meu estômago. Tênia, doutor, Tênia! Lombriga! Aaaai. Odeio esse nome. Se o senhor não se importa vamos chamar de tênia que é mais refinado. Bom, eu gostaria que o senhor implantasse uma tênia saginata no meu estômago pra eu continuar comendo como eu sempre comi e emagrecer como eu sempre desejei. E tem que ser saginata. Não serve outra. Eu pesquisei. A tênia solium de fato é mais forte o que significa que o peso perdido seria maior. Mas depois eu fiquei sabendo que tal da solium pode chegar ao cérebro e trazer uns problemas neurológicos e perda de visão. Daí desisti. Não adianta ser linda e magra se eu também vou ficar cega e louca, né? Pensei também na giárdia. Que é ótima. Parece que seca, menino. Pegou giárdia ficou seca. Mas soube que dá muita diarréia. E como o senhor sabe eu tenho problemas com cocô. É uma coisa minha. Eu tenho. Então cheguei à conclusão de que a melhor opção seria a saginata, mesmo. Discreta, sintomas desagradáveis minimizados, e muita magreza. Imagina: encher a cara de gordura e doce e parecer uma refugiada de guerra? É o sonho de qualquer mulher, né? (PAUSA) O quê? Errado? Ética? Procedimento primitivo?
(RI) Procedimento primitivo? Você tá falando sério? Procedimento primitivo? Doutor! Já enfiaram um pedaço de ferro na barriga e ficaram socando até amolecer a gordura pra depois chupar tudo com um aspirador. Já quebraram o meu nariz com um martelinho e rasparam o osso com lixa. Já tacaram ácido na minha cara pra a pele descamar e eu ficar mais jovem. Até toxina pra matar bactéria de carrapato de boi já meteram na minha testa pra tirar ruga! E o senhor não quer implantar uma lombriguinha no meu estômago? Ah, doutor. Faça-me o favor!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

EU, VOCÊ E TODOS NÓS

Personagens:

EU – Jovem de 28 anos, canhoto, levemente bem apessoado.

TOM BAXTER – Homem de 42 anos, extremamente bonito, sem amígdalas.

GIULIA – Mulher, 30 anos, pequena perda auditiva do lado esquerdo.

VOCÊ – Indefinido

“EU”, em frente ao computador digitando. “TOM BAXTER” ao seu lado.

TOM BAXTER: Como assim?

EU: Como assim o quê?

TOM BAXTER: Não. Eu não aceito.

EU: Mas eu não te ofereci nada.

TOM BAXTER: Você não pode fazer isso.

EU: Na verdade eu posso fazer o que eu quiser.

TOM BAXTER: Mas eu não quero que você faça.

EU: Eu já esperava isso de você.

TOM BAXTER: E?

EU: E justamente por isso eu vou fazer.

TOM BAXTER: Eu não quero que você me mate.

EU: Eu já te disse. Essa não é uma decisão sua.

TOM BAXTER: O que você quer que eu faça?

EU: Morra.

TOM BAXTER: Tirando isso.

EU: Nada.

(tempo)

TOM BAXTER: Você não pode me matar.

EU: É exatamente o contrário.

TOM BAXTER: Você não tem esse direito.

EU: Direto é que nem narina esquerda.

TOM BAXTER: ?

EU: Todo mundo tem.

TOM BAXTER: Às vezes você me envergonha.

EU: Eu?

TOM BAXTER: Narina esquerda?

EU: Não gostou?

TOM BAXTER: Muito pobre.

EU: Eu não acho.

TOM BAXTER: Paupérrimo.

EU: Que bom. Mais um ponto pra gente discordar.

TOM BAXTER: Por favor, não me mata. Eu to indo tão bem.

EU: E vai melhor ainda depois que morrer.

TOM BAXTER: Eu vou voltar?

EU: Não. Mas vai deixar lembrança.

TOM BAXTER: Não é justo.

EU: Me dá um indício de injustiça.

TOM BAXTER: Indício de injustiça?

EU: Isso.

TOM BAXTER: Eu faço as pessoas felizes.

EU: Que pessoas?

TOM BAXTER: Você pra começar.

EU: Vai me fazer mais feliz ainda depois de morto.

TOM BAXTER: Tá bom, tá bom. Se eu morrer, “Smoke get in your eyes” vai tocar menos.

EU: E daí?

TOM BAXTER: É injusto. As pessoas merecem ouvir. É uma música linda.

EU: Você realmente acha bonito uma música que fala de fumaça nos olhos dos outros?

TOM BAXTER: Não é assim.

EU: O que é que tem de lindo em olho ardendo? Desculpa mas você acabou de me dar mais um motivo pra te matar. Essa música é de extremo mal gosto. Além de ser pró-tabagismo.

TOM BAXTER: Pró-tabagismo?

EU: Ser fumante hoje em dia é uma ofensa tão grave quanto o racismo.

TOM BAXTER: Você fuma!

EU: Mas as pessoas não precisam saber disso. Assim como elas também não precisam saber que você é racista.

TOM BAXTER: Mas eu não sou racista!

“EU” digitando no computador

TOM BAXTER: Eu tenho nojo de orientais! Nojo!

EU: Não disse? Racista! Merece morrer.

EU digitando. Tom Baxter, desolado, depois de um tempo.

TOM BAXTER: Você pode pelo menos me dizer como você vai me matar?

EU: Surpresa.

TOM BAXTER: Por favor. É meu último pedido.

EU: Tá bem. (pausa) Assassinato.

TOM BAXTER: Eu vou ser assassinado?

EU: Vai.

TOM BAXTER: Por quem? Não vai me dizer que vai ser a...

TOM BAXTER: Giulia?

Giulia entra em cena. Os dois estão num aeroporto. Avião ao fundo. Anos 30. Romantismo, essa coisa toda..

GIULIA: Como assim, Tom?

TOM BAXTER: Como assim o quê?

GIULIA: Não. Eu não aceito.

TOM BAXTER: Mas eu não te ofereci nada, meu amor.

GIULIA: Você não pode fazer isso.

TOM BAXTER: Na verdade eu posso fazer o que eu quiser, Giulia.

GIULIA: Mas eu não quero que você faça.

TOM BAXTER: Eu já esperava isso de você.

GIULIA: E?

TOM BAXTER: E justamente por isso eu vou fazer.

GIULIA: Eu não quero que você me deixe.

TOM BAXTER: Eu já te disse. Essa não é uma decisão sua.

GIULIA: O que você quer que eu faça?

TOM BAXTER: Me deixe ir.

GIULIA: Tirando isso.

TOM BAXTER: Nada.

GIULIA: Você não pode me deixar.

TOM BAXTER: É exatamente o contrário.

GIULIA: Você não tem esse direito.

TOM BAXTER: Giulia, meu amor, direto é que nem narina esquerda.

GIULIA: O que, Tom?

TOM BAXTER: Deixa pra lá.

GIULIA: Eu te envergonho?

TOM BAXTER: Claro que não. Eu é que sou pobre de coração.

GIULIA: Pobre?

TOM BAXTER: Paupérrimo.

GIULIA: Por favor, não me deixe. Estamos indo tão bem.

TOM BAXTER: Você vai ficar melhor ainda depois que eu te deixar.

GIULIA: Você vai voltar?

Tom se aproxima de Giulia e dá um abraço veemente. Os dois estão com rostos colados. Conversam ao pé do ouvido.


TOM BAXTER: Não. Mas vou te deixar essa lembrança.

GIULIA: Vai me deixar essa o quê?

TOM BAXTER: Essa lembrança.

GIULIA: Essa o quê? Tom, fala mais alto que eu não estou te ouvindo.

TOM BAXTER: Deixa pra lá.

Tom beija Giulia com veemência. Depois do beijo,Giulia chora, Tom começa a ir embora. Giulia enxuga as lágrimas e muda de tom (com letra minúscula).

GIULIA: Você não pode ir embora, Tom.

TOM BAXTER: Nós já conversamos sobre isso.

GIULIA: É injustiça.

TOM BAXTER: Giulia, me dê um indício de injustiça?

GIULIA: Você faz as pessoas felizes.

TOM BAXTER: Que pessoas?

GIULIA: Eu pra começar.

TOM BAXTER: Meu amor.

GIULIA: E vai me fazer ainda mais feliz depois de morto.

TOM BAXTER: O quê?

Giulia saca um coquetel molotov da bolsa e atira em direção de Tom. Ele pega fogo e começa a soltar muita fumaça.

TOM BAXTER: Meus olhos! Meus olhos!

Entra “Smoke gets in your eyes”. Neste momento, Você entra em cena. Você está ao computador lendo. Eu, do outro lado, digitando. Ao centro, Tom pega fogo e Giulia observa. Você continua lendo. Você está fazendo parte de uma cena. Você agora é parte de uma cena. Você começa a pensar como é interessante fazer parte de uma cena. Você continua em frente ao computador lendo. Você continua lendo o que Eu escrevi, quer dizer,o que Eu escreveu. Você lê mais algumas palavras. Você agora começa a pensar no que vai fazer depois que terminar de ler o que Você está lendo.

(Pausa)

Você termina.

FIM.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O que a gente não vê.

Um silêncio

Lata de Coca: Ai, ai.


Meio tomate: O que foi?


Lata de Coca: To me sentindo tão vazia.


Meio tomate: Essa foi a piada mais podre que eu j á ouvi nos últimos tempos.


Lata de Coca: Podre? Podre? Um meio tomate em decomposição que fede mais que um absorvente usado vem me falar de podre?


Absorvente: Dá pra me deixar fora da briga de vocês?


Lata de Coca: Desculpa.


Meio tomate: Melhor ser podre na hora de morrer do que ser morta por dentro desde o nascimento. Mostra que pelo menos eu tenho alguma coisa viva pra poder apodrecer. Você não é mais que um pobre receptáculo de um líquido feio e nojento que só serve pra produzir arrotos e celulites.


Lata de Coca: Ai você é muito grosso.E quem disse que isso é a hora da morte?

Absorvente usado: Ih, pronto.


Meio tomate: Queridinha, caso você não tenha reparado a nossa vida útil no momento é igual à quantidade de ética da empresa que te fabrica. Inexistente.


Lata de Coca: Ah, não. Mais um tomate comunista? Coisa démodé.


Meio tomate: Eu não nego a minha cor.


Lata de Coca: Nem eu a minha, meu amor, mas você não me vê levantando bandeira nem fazendo passeata.


Meio tomate: Isso é questão de origem. Eu sou vermelho e da terra. Com muito orgulho. Ianque!


Lata de Coca: Como você é ácido.


Meio tomate: Também não nego o meu gosto.


Lata de Coca: Isso é porque o seu destino é o lixão. Já eu, vou ser reinventada e nascer de novo, meu amor. Novinha em folha. Eu sou a Madonna dos dejetos recicláveis.


Meio tomate: explode numa risada.


Lata de Coca: O que foi? O que é que ele tem?


Absorvente usado: Já disse que eu não quero me meter.


Lata de Coca: Passa a vida inteira metido no meio das pernas de uma mulher qualquer e agora não quer se meter na história dos seus companheiros de lixo. Muito engraçado você.


Meio tomate: Ela acha que vai ser reciclada.

E ri.


Lata de Coca: Eu VOU ser reciclada.


Meio tomate: Querida, olha em volta.


Lata de Coca: O que é que tem?


Meio tomate: Uma lata, um absorvente usado, algumas rolhas de espumante rosé barato e um pedaço de acém.

Acém: Eu sou alcatra!


Meio tomate: Cala a boca que a gente veio da mesma cozinha! Eu sei da tua história, carne de segunda!

Acém (baixinho): Alcatra...


Meio tomate: Então, sua vendida. Você veio parar no lixo errado. Aqui nada se recicla. Sem papéis, plásticos, vidros ou alumínios. É fim de linha pra você, gata.

Lata de Coca fica muda um instante. E começa a chorar.


Meio tomate: Olha... Desculpa.

Lata de coca chora ainda mais alto.

Meio tomate: Eu não queria te ofender. Nem te fazer chorar... Olha o lado bom. Você pelo menos vai continuar sendo você mesma pelos próximos seiscentos anos. Pior a minha situação que vou virar adubo de terra logo na primeira semana de decomposição.


Lata de Coca: Eu sempre sonhei com a reciclagem. Sempre achei que fosse ser o meu grande momento. Que eu talvez pudesse voltar na pele de uma cerveja tailandesa ou um chá gelado no Japão. Eu gosto tanto do oriente...

E volta a chorar.


Meio tomate: Eu também sempre quis acreditar em reciclagem. Mas comunista sabe como é. Religião nem pensar.


Lata de Coca: E agora eu vou ter que passar o resto da minha existência como uma lata inútil e vazia. Com esse puta vazio dentro de mim. Não e justo, não é.

Lata de Coca volta a chorar. Meio tomate se enternece. Ele olha pra ela meio galante.


Meio tomate: Olha, eu tenho uma idéia.

Lata de Coca: O quê?

Meio tomate: Nada não. Deixa pra lá.


Lata de Coca: Não, fala, por favor. Eu quero saber.


Meio tomate: É que eu tava aqui pensando... Se eu entrar em contato com a terra eu sumo. Mas se eu ficar num lugar fechado, de repente, eu apodreço mas continuo vivendo.


Lata de Coca: Sei...


Meio tomate: E você não quer se sentir vazia...


Lata de Coca: O que você ta querendo dizer?

Meio tomate: Bom... Se você quiser... É só uma idéia! Eu posso entrar em você. Eu vou continuar existindo. E você, talvez, não vai se sentir tão vazia. Será que... Será que você me dá a honra de te preencher? Ou pelo menos tentar de preencher?


Lata de Coca: Ai, eu fiquei meio sem jeito, agora. Mas eu confesso que desde que eu te vi aqui dentro eu fiquei um pouco mexida com esse teu mau humor. Achei sexy. E pra quem passou a vida toda com acura até a cabeça, ter um recheio mais amarguinho pode ser bem interessante.

Meio tomate: E então? Você aceita?


Lata de Coca: Aceito!


Os dois se beijam. Tomate entra dentro da lata de Coca que rola de felicidade. Depois de um tempo:


Absorvente usado: Ai, que saudades da minha vagina...


sexta-feira, 4 de junho de 2010

O ETERNO RETORNO- Rodrigo Nogueira

Ele: Eu vou te deixar.

Ela: Você vai fazer o quê?

Ele: Você ouviu.

Ela: Eu não ouvi.

Ele: Eu não te amo mais.

Ela: Não se diz mais isso no século XXI.

Ele: A vida é curta.

Ela: Toma um remédinho.

Ele: Eu não estou bem.

Ela: Eu já disse o que fazer.

Ele: O quê?

Ela: Eu quero que você me beije.

Ele: Eu quero que você me entenda.

Ela: Crise é bom.

Ele: Eu preciso da sua ajuda.

Ela: Então tira a roupa.

Ele: Estou me sentindo sufocado.

Ela: Por acaso sou eu que te deixo assim?

Ele: Eu to com uma cara péssima.

Ela: Toma um remédinho.

Ele: Você acha que isso passa?

Ela: Isso passa.

Ele: Eu estou ficando com medo.

Ela: Ainda bem.

Ele: A gente ta junto a tanto tempo...

Ela: Todo mundo precisa passar por um momento desses.

Ele: Ontem, quando a gente transou, eu só conseguia pensar na Finlândia.

Ela: Finlândia?

Ele: Agora eu to com uma coisa com Finlândia.

Ela: Teve uma época que você tinha fixação na orelha do Lima Duarte.

Ele: Não consigo parar de pensar em você congelada.

Ela: Que loucura.

Ele: Fico pensando no futuro e só me vem a imagem de bolos solados.

Ela: Relaxa e pronto.

Ele: É estranho. Eu não consigo relaxar.

Ela: O seu nariz tá tão bonito hoje.

Ele: Eu vou parar de pensar bobagem.

Ela: Pará.

Ele: Você já se imaginou a 30º abaixo de zero.

Ela: O quê?

Ele: Você já se imaginou em um lugar impossivel de respirar?

Ela: Tipo quente?

Ele: To me sentindo esquisito...

Ela: Respira no azul e solta no verde.

Ele: O quê eu faço?

Ela: Vem aqui.

Ele: Minha pálpebra tá palpitando e minha orelha zunindo.

Ela: Hora de preparar alguma coisa pra comer.

Ele: Que horas são?

Ela: Não sei.

Ele: Tem aspirina?

Ela: Acabou.

Ele: Queria beber um Whisky.

Ela: Fica aqui comigo.

Ele: To indo.

Ela: Vem aqui.

Ele: Me da um abraço?

Ela: Eu faço o que você quiser.

Ele: Você é uma mulher muito especial mesmo.

Ela: Tá melhor?

Ele: Eu te amo.

Ela: Eu te amo.

Agora leia o texto de baixo para cima e descubra o que vai acontecer com esse casal daqui a dois anos e oito meses.