Mulher: Láudano?
Rapaz: Mantém o corpo quente.
Mulher: Pra quê?
Rapaz: Pras pessoas acharem que ainda tá vivo.
Mulher: Tem certeza que funciona?
Rapaz: Sabe a Fifi?
Mulher: Ahn.
Rapaz: Ela não tá dormindo.
Mulher: Você envenenou minha cadela?
Rapaz: Eu tinha que testar em alguém.
Mulher: Mas precisava ser na Fifi?
Rapaz: Qual a diferença? A gente vai estar morto daqui a meia hora.
Mulher: A cachorra não tem nada a ver com isso.
Rapaz: Melhor morrer envenenada do que morrer de fome.
Mulher: Morrer de fome?
Rapaz: Não ia ter quem cuidasse dela.
Mulher: Alguém ia cuidar.
Rapaz: Quem?
Mulher: Quem quer que encontrasse a gente.
Rapaz: Você quer dizer nossos corpos.
Mulher: É. A gente.
Rapaz: Ela morreria de fome até então. Vai demorar até que encontrem a gente.
Mulher: Os nossos corpos?
Rapaz: Isso. A gente.
Mulher: Por quê?
Rapaz: Eu já te falei. Láudano mata mas mantém o corpo quente.
Mulher: E daí?
Rapaz: Não fede até o terceiro dia.
Mulher: Ah, então não quero.
Rapaz: Não feder até o terceiro dia?
Mulher: Uma morte tão discreta.
Rapaz: Mas a graça é essa. Ninguém vai ter percebido que a gente morreu.
Mulher: Mas não tem a menor graça. O que é que os vizinhos vão dizer?
Rapaz: Por um bom tempo nada.
Mulher: Não pode. Daí o suicídio não faz sentido. A graça tá no comentário. Suicídio só tem graça porque gera comentário.
Rapaz: Agora não tem mais volta.
Mulher: Como não tem mais volta?
Rapaz: Eu já comprei o láudano.
Mulher: Troca por sicuta.
Rapaz: Ele não tinha sicuta.
Mulher: Estricnina então.
Rapaz: A gente tá falando de veneno não de polaina.
Mulher: Polaina?
Rapaz: Que pode trocar em loja. Não é que nem veneno de laboratório. Consegue o que tem.
Mulher: Achei sem graça esse láudano.
Rapaz: É o que tem.
Mulher: Então vamos fazer de uma forma bem ridícula.
Rapaz: De uma forma bem ridícula?
Mulher: Pras pessoas comentarem.
Rapaz: Como assim?
Mulher: Você se veste de Robin e eu fico pelada.
Rapaz: Hein?
Mulher: E a gente toma o veneno deitado na porta da frente.
Rapaz: Deitado na porta da frente?
Mulher: Pra todo mundo ver.
Rapaz: Você pelada e eu de Robin?
Mulher: Se você preferir vai de outra coisa. É que já tem a fantasia do Robin.
Rapaz: E você pelada?
Mulher: Não tem fantasia pra mim.
Rapaz: Você está com cento e trinta quilos.
Mulher: Justamente por isso não tem fantasia pra mim.
Rapaz: Você não tem nem um pouquinho de vergonha?
Mulher: Vergonha de quê?
Rapaz: De ficar pelada em público com cento e trinta quilos?
Mulher: Eu vou estar morta. Pelo menos vai dar o que falar. Vão ficar achando que era algum ritual.
Rapaz: Envolvendo uma mulher de sessenta anos pelada e um homem de vinte e oito usando uma fantasia de super herói?
Mulher: É contemporâneo. Vai pegar a fantasia que eu vou tirando a roupa. O láudano tá onde?
Rapaz: Na garrafa de suco de luz.
Mulher: Suco de luz?
Rapaz: É contemporâneo.
Mulher: Eu vou pegar.
(mulher sai, enquanto rapaz se veste de robin. Ela volta completamente nua)
Mulher: Como é que você sabe que a Fifi morreu mesmo?
Rapaz: Eu misturei láudano com Bonzo.
Mulher: Mas e o efeito? Como é que você sabe que fez efeito?
Rapaz: Eu não sei tirar pulso de cachorro.
Mulher: Ela tá respirando?
Rapaz: Não. Mas a Fifi tem um respirar bem leve. Nem dá pra reparar.
Mulher: É verdade. Ô cadelinha de respiração leve. (pausa) Mas e se ela volta?
Rapaz: Como assim volta?
Mulher: À vida. E se ela volta à vida.
Rapaz: Ela não vai voltar.
Mulher: Como é que você pode ter certeza?
Rapaz: Ela não vai voltar.
Mulher: Tá pronto?
Rapaz: Super.
(os saem da casa e deitam na porta da frente)
Rapaz: Vamos logo que se alguém passa aqui eu morro de vergonha.
Mulher: Melhor. Sobra mais veneno pra mim.
Rapaz: Você vai botar a bunda na minha cara?
Mulher: Tem que ficar um pose ridícula.
Rapaz: Mas assim tá demais…
Mulher: Deixa de ser chato.
Rapaz: Me dá logo esse veneno que eu já tô louco pra morrer.
(Rapaz toma o veneno. Mulher também. Os dois morrem. Trinta segundos depois Fifi volta à vida)
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