Mesa de bar. Uma pessoa sentada. De costas para a platéia. Outro aborda.
Homem: Oi. Dá licença. Você tem fogo? (pessoa faz que não) Não? E essa caixinha de fósforo ta fazendo o quê em cima da mesa? (pessoa sentada responde algo que não ouvimos) Ah (fala mais alguma coisa que não ouvimos) Jura? Com um cágado? Que interessante. Bom mas se essa caixinha não é sua então você provavelmente não fuma, acertei? Ah, que ótimo. Então esse é o lugar ideal pra eu me sentar e você a companhia perfeita pra mim. (se sentando e mudando de tom) Não. Desculpa. Eu não quis te passar uma cantada barata, imagina. È que ultimamente eu só tenho me sentado em lugares seguros. Lugares livres da fumaça. Você sabia que um fumante passivo tem a mesma chance de ter câncer de pulmão do que um fumante… ativo? Pois é. Eu percebi que eu estava morrendo aos poucos quando ficava perto dessa gente… Os fumantes. Cada inalada que eu dava na fumaça alheia era uma aumento significativo de chance de ter câncer de pulmão. Fora que é muito anti-higiênico… você respirar uma coisa que já esteve dentro da outra pessoa. Por que é isso que acontece, né? Você inala o resquício do vício da outra pessoa. Você respira o resquício do vício da outra pessoa. Você bota pra dentro do seu corpo o resquício do vício da outra pessoa. Agora pergunta prum fumante se ele aceitaria botar pra dentro o resquício do vício de alguém que bebe cerveja… Claro que não. Claro que não. Porquê? Porque é nojento. Ora, faça me o favor. Beber mijo não pode mas respirar fumaça usada é normal? (quebra) É por isso que eu estou mudando de amigos. Não dava pra continuar com os meus amigos. Todos eles fumam. Uma coisa impressionante. Vão comer num restaurante: fumam. Sentam numa mesa de bar: fumam. Saem do cinema: fumam. Gente! Será que o cigarro é um item tão essencial pra discutir Woody Allen, jogar conversa fora ou digerir um prato de carpaccio! Pra mim não. E quer saber? Eu to me sentindo ótimo. Eu ainda não achei novos amigos, mas só de me livrar dos fumantes já foi um passo e tanto. Eu não posso em sã consciência chamar de amigo quem me mata aos poucos com fumaça de cigarro. Graças a Deus, a minha vida está mudando. Graças a Deus! (Olha pra caixa de fósforo) Um cágado! Mas que curioso… (quebra) Aliás ontem eu decidi que vou mudar de namorada também. Vou mudar de namorada. Namorada. Vou mudar de namorada. E porque não? Foi enorme! Eu tive uma decepção enorme. Quando a gente ta apaixonado a gente fica cego pros defeitos da pessoa. Acaba aceitando umas coisas, umas atitudes que com o passar do tempo vão se repetindo e acabam minando um relacionamento. E ontem eu cheguei à conclusão de que eu já não to mais tão apaixonado assim a ponto de ignorar os defeitos da minha namorada. Ela tem uma fungada lateral. (tenta fazer). Não sei imitar. É uma coisa horrenda. Ela faz um troço com o nariz. Dá até medo. A qualquer momento. No meio de uma conversa, comendo, (falando baixo) até no sexo ela já fez. Lateral. Uma fungada lateral. Esquerda. A diaba só pelo lado esquerdo! Eu comecei perceber que não adianta tapar o sol com a peneira, sabe? Lado esquerdo… Não ia rolar. Eu não podia passar o resto da minha vida com uma pessoa que aquilo. Fora que ela tem as articulações da mão muito maleáveis. Parece de borracha. Tem umas posições que ela faz com mão que me incomodam muito. Encostar os dedos no punho. Sei lá. Também é meio nojento… (Solta uma risada meio solta) Cágado! A caixa de fósforo ta aí por causa… Uma coisa impressionante. Muita coincidência. Um cágado. (pessoa fala algo que não ouvimos) Oi? Terapeuta? Engraçado você perguntar isso porque eu também decidi que vou mudar de terapeuta. É. Ela não tava me ajudando em nada. Terapeuta. A minha terapeuta. Só tava me deixando pior! Primeiro que ela falava “que seje”! Que seje! Gente! Como é que eu posso falar da minha vida, dos meus problemas mais íntimos pra alguém que não sabe conjugar o verbo ser na terceira pessoa do subjuntivo. Não há a menor possibilidade. E ela também usa uma calça da Dimpus semi-baggy em pelo século XXI! Parece até piada. E se eu te falar da cor do esmalte dela então. Você vai cair pra trás. (A pessoa se levanta) Não espera aí… Você já ta indo embora? Fica mais tempo. Vamos conversar. É que como você não fuma eu pensei que você pudesse ser minha amiga. (T) Minha namorada? (T) Minha terapeuta? Volta! (Homem se senta confortável na cadeira olha pra caixa de fósforo e sorri). Um cágado!
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