sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A história de Romeu e Julieta

Personagens: Avó – mulher, 56 anos
Suzane v.H. – menina, 5 anos

Suzane V.: Como assim, vovó?

Avó: Você já me fez essa pergunta.

Suzane V.: O quê?

Avó: Outra pergunta.

Suzane V.: Hein?

Avó: Faz outra pergunta.

Suzane V.: Mas eu quero fazer essa.

Avó: Ta bem. Qual é a pergunta?

Suzane V.: Hoje entrou uma menina nova lá na escolinha. Daí, a tia Aldene falou que o nome dela é Julieta..

Avó: Cadê a pergunta? Até agora você só fez 2 afirmações.

Suzane V.: Como é que o nome dela pode ser Julieta?

Avó: Cadê meu rivotril?

Suzane V.: Como é que o nome dela é Julieta?

Avó: Isso é rivotril ou ruipinol?

Suzane V.: Responde vovó.

Avó: Diabo de vista cansada.

Suzane V.: Responde.

Avó: Qual é a pergunta, meu Deus?

Suzane V.: Como é que o nome da menina é Julieta? Julieta não é aquela coisa vermelha que eu como junto com Romeu de sobremesa?

Avó: Não, Suzane. Aquela coisa vermelha é goiabada. Que você come junto com queijo. Os nomes são goiabada e queijo. Romeu e Julieta são outra coisa.

Suzane V.: Não to entendendo, vovó.

Avó: Graças a deus. Ocadil ainda tem.

Suzane V.: Como é que aquela coisa vermelha é isso daí que você falou e aquela coisa branca é queijo se a mamãe sempre fala que é Romeu e Julieta?

Avó: Não me irrita Suzane. Não me irrita que hoje só tem Ocadil. E a sua mãe fala muitas coisas.

Suzane V.: Então a mamãe mente?

Avó: Claro que ela mente. Ela e o resto do mundo.

Suzane V.: Não to entendendo, vovó. Não to entendendo.

Avó: Todo mundo mente. O mundo mente. Mente.

Suzane V.: Vovó. Não to entendo, vóvó. Não to mesmo.

Avó: Ah, não ta? Então senta aqui que a vovó vai te explicar. As pessoas são loucas, minha neta. Loucas. Elas dizem uma coisa e querem dizer outra. Elas dizem uma coisa e querem dizer outra. Elas dizem uma coisa e querem dizer outra.

Suzane V.: Você já falou isso, vovó.

Avó: Elas dizem uma coisa e querem dizer outra.

Suzane V.: Mas, vovó. Você já falou isso.

Avó: Fica quieta! Pelo menos eu estou dizendo uma coisa que eu quero dizer. As pessoas não. As pessoas. As pessoas dizem uma coisa e querem dizer outra.

Suzane V.: Ta bom, vovó.

Avó: Elas dizem que são normais, mas compram revistas com fotos dos outros mostrando seus banheiros. Elas dizem que são equilibradas, mas pagam pra ter uma toxina que mata carrapato de boi injetada no canto dos olhos. Elas dizem que são honestas, mas só vendem pacotes com doze salsichas e oito pães de cachorro quente!

Suzane V.: Não to entendento vovó.

Avó: Sempre sobram quatro salsichas!

Suzane V.: Salsicha é tão gostoso.

Avó: As pessoas mentem, minha neta. Elas mentem!

Suzane V.: Então quer dizer que a minha sobremesa preferida não é Romeu e Julieta?

Avó: Não.

Suzane V.: É gobada com queijo.

Avó: Goiabada, analfabeta.

Suzane V.: Que que é analfabeta, vovó?

Avó: Você.

Suzane V.: Por que que eu sou isso aí que você falou, vovó?

Avó: Porque você não sabe ler, analfabeta. Nem escrever.

Suzane V.: Mas eu só tenho cinco anos.

Avó: A culpa não é minha. Você continua sendo analfabeta.

Suzane V.: Vovó, me explica uma coisa.

Avó: Ai, meu deus, de novo.

Suzane V.: Se a minha sobremesa preferida não é Romeu e Julieta… o que é Romeu e Julieta, vovó?

Avó: Um casal de namorados que – impedidos de se amar pelas famílias – acabou se matando. Ela com veneno, ele com uma facada. Ou um tiro na cabeça se você levar em conta a refilmagem do Baz Lhurman.

Suzane V.: Romeu e Julieta são dois mortos?

Avó: Exatamente.

Suzane V.: Romeu e Julieta… são… um menino… e uma menina… e eles… estão…mortos?

Avó: Ficou surda agora?

Suzane V.: Buáaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Avó: Se controla Suzane. Se controla que hoje só tem Ocadil.

Suzane V.: A minha sobremesa preferida são dois mortos. Buáaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Avó: Suzane.

Suzane: Buáaaaaaaaaaa.

Avó: Suzane!

Suzane: Buáaaaaaaaaaa.

Avó: SUZANE!

Suzane silencia.

Avó: Eles não morreram de verdade.

Suzane V.: Mas você disse que eles morreram.

Avó: Eles não existiram.

Suzane V.: Como é que eles não existiram, vovó? Eles têm até nome.

Avó: Eu sei, minha neta. Mas eles são personagens.

Suzane V.: Personagens?

Avó: De ficção.

Suzane V.: O que é que é ficção, vovó?

Avó: Tudo que é de mentirinha.

Suzane V.: Mas você disse que todo mundo mente, vovó.

Avó: É verdade.

Suzane V.: Então todo mundo é de ficção, vovó?

Avó: Exatamente, minha neta. É tudo ficção.

Mãe grita de dentro.

Mãe: Suzane, vem almoçar senão vai ficar sem sobremesa.

Suzane sai correndo.

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