sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Como

Eu: Como é que eu faço?

Eu: Não faz.

Eu: Mas é sacanagem.

Eu: As pessoas vão entender.

Eu: Eu não quero que elas entendam.

Eu: Então não faz.

Eu: Mas não foi isso que eu quis dizer.

Eu: Foi exatamente o que eu quis.

Eu: Eu sei.

Eu: Eu também.

(pausa)

Eu: Já sei.

Eu: Fala.

Eu: Eu vou pegar uma cena já escrita.

Eu: É sacanagem.

Eu: E não fazer não é?

Eu: Eu estou no Maranhão!

Eu: Eu também.

Eu: Nos Lençóis!

Eu: Eu sei. Eu também estou aqui.

Eu: Então é difícil, né?

Eu: E eu não sei?

Eu: Mas mesmo assim eu tenho que escrever alguma coisa. Senão é sacanagem.

Eu: Não tem problema. Deixa de ser apegado. Uma semana a menos não vai fazer diferença. Aposto que tem gente que nem vai notar.

Eu: Tudo bem.

Eu: Tudo?

Eu: Você me convenceu.

Eu: Que bom.

Eu: Não vou escrever nada.

Eu: Ótimo.

Eu: Mas vou cantar.

(pausa)

Eu: Cantar?

Eu: É.

Eu: Você vai cantar uma música no Maranhão.

Eu: É.

Eu: Pras pessoas do site?

Eu: Isso. Qual o problema.

Eu: Nenhum. Tirando o fato de que ninguém vai ouvir uma nota. Aliás, sorte a deles.

Eu: Não importa. Tudo bem com você?

(pausa)

Eu: Ok. Tudo bem.

Neste momento, EU saio da pequena Lan House na avenida Joaqui Soeiro de Carvalho e sigo pelas ruas de Barreirinhas cantando “Amor, I love you”

FIM

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Manual prático para a compreensão do mundo (em cinco passos)

Natal lembra um monte de coisas. E rever o mundo é uma delas. Minha cena dessa semana é pra ser encenada por você que está lendo agora. Eu sei que é difícil (nunca disseram que ser ator é fácil). Mas se você fizer pelo menos uma das ações propostas na cena já tá valendo. Vamos tomar coragem e sentir… quer dizer, “compreender” o mundo? (pode começar amanhã, segunda-feira)

1 – Após acordar, escove os dentes usando a sua mão esquerda (no caso de destros), a sua mão direita (no caso de canhotos) ou um de seus pés (no caso de ambidestros).

2 – Ao sair de casa, pare perto de um banco de sua casa. Cantarole uma antiga canção de ninar para o segurança.

3 – Depois de pagar por suas compras, agradeça ao caixa do supermercado com um beijo de esquimó*.

4 – Faça uma marca de pé no teto de sua sala e chame uma visita. Observe sua reação.

5 – Assista a um filme de trás para frente e, em seguida, narre-o para alguém.

*Glossário
Beijo de esquimó: demonstração afetuosa em que dois seres dotados de órgão olfativo externo encostam repetidamente seus respectivos nasais através de sucessivos movimentos de cabeça da direita para a esquerda.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Questionário

Você: Eu estou mal.

Outra pessoa: Por quê?

Você: Eu traí.

Outra pessoa: Traiu?

Você: Traí, traí. Sou uma pessoa ruim. Eu traí.

Outra pessoa: Quando?

Você: Agora.

Outra pessoa: Agora?

Você: Vi você e fiquei um pouco excitado. Não conta pra ninguém.

Outra pessoa: Isso não é traição.

Você: É claro que é.

Outra pessoa: Como assim? Você nem encostou em mim.

Você: Se eu tivesse encostado seria traição e se eu não encosto não é. É isso?

Outra pessoa: É.

Você: Então se eu não encosto não é?

Outra pessoa:

Você: Sexo com camisinha não é traição, então. Teoricamente não encosta.

Outra pessoa: O que você tá falando?

Você: Vamos dizer que a sua namorada se chama Laura. Mas você tem tesão na Solange. Você conhece Solange. Se Laura e Solange se conhecem é irrelevante. Consideremos apenas esses fatos. Você namora Laura. Você tem tesão na Solange. O fato de você ter tesão na Solange é traição?
R:

O fato de você ficar de excitado pensando na Solange é traição?
R:

O fato de você se masturbar pensando na Solange é traição?
R:

O fato de você se masturbar olhando uma foto da Solange na Internet é traição?
R:

O fato de você se masturbar olhando uma foto da Solange revelada em papel Kodak é traição?
R:

O fato de você se masturbar vendo a Solange atrás de um vidro fumê com 50% de transparência e a uma distância de 100m é traição?
R:

O fato de você se masturbar vendo a Solange atrás de um vidro fumê com 75% de transparência e a uma distância de 50m é traição?
R:

O fato de você se masturbar vendo a Solange atrás de um vidro transparente uma distância de 23,47m é traição?
R:

O fato de você se masturbar vendo a Solange a uma distância de 12,54m sem vidro entre vocês é traição?
R:

O fato de você se masturbar sem ejacular vendo a Solange a uma distância de 3,77m é traição?
R:

O fato de você se masturbar e ejacular vendo a Solange a uma distância de 68cm é traição?
R:

O fato de você se masturbar sem ejacular vendo a Solange atrás de um anteparo de resina fabrticado na Bolívia a 4cm de distância dela é traição?
R:

E a 9mm da Solange, é traição?
R:

E a 8mm?
R:

O fato de você se masturbar vendo a Solange e encostando a ponta do seu dedo direito no ombro esquerdo dela é traição?
R:

O fato de você se masturbar encostando a ponta do seu pênis no ombro esquerdo da Solange é traição?
R:

O fato de você se masturbar encostando 10% do seu pênis na vagina da Solange é traição?
R:

O fato de a vagina da Solange masturbar 35% do seu pênis é traição?
R:

O fato de você usar a vagina da solange para masturbar ora 50% do seu pênis, ora 100% dele, ora 50%, ora 100% em repetidas mudanças de percentagem é traição?
R:

E então? Traí ou não traí?

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Um caso extraordinário

Uma pessoa sentada (ou deitada) de costas para a platéia. Um homem de branco a examina.

Paciente: E então, doutor?

Médico: Só mais um minutinho.

Paciente: Ai, que agonia.

Médico: Pronto.

Paciente: E então.

Médico: É o que eu imaginava.

Paciente: O que o senhor imaginava?

Médico: É um caso extraordinário. Eu nunca vi uma coisa igual.

Paciente: Mas o que é, doutor?

Médico: Trata-se de uma unha.

Paciente: Uma unha?

Médico: Uma unha.

Paciente: Mas é roxa, doutor.

Médico: Aì está o extraordinário do caso. Ela está pintada.

Paciente: Uma unha pintada?

Médico: Uma unha pintada.

Paciente: E de roxo.

Médico: Pois é.

Paciente: Doutor, mas como é que pode, doutor? Como é que pode ter nascido uma unha pintada de roxo, doutor? E bem no meio da minha testa?

Médico: É um caso extraordinário, não?

Paciente: Mas como é que isso foi acontecer.

Médico: Isso é o que nós temos que descobrir. Eu vou fazer algumas perguntinhas para a senhora e queria que a senhora tentasse ao máximo lembrar dos detalhes ao responder, pode ser?

Paciente: Sim, pode…

Médico: Vamos lá: qual foi a última vez que a senhora esteve numa usina atômica, num campo de dejetos radioativos ou num laboratório de enriquecimento de plutônio.

Paciente: Eu nunca estive em nenhum desses lugares, doutor.

Médico: Tem certeza. É preciso que a senhora pense muito antes de responder. Tente lembrar.

Paciente: Bom… Numa usina atômica, eu nunca estive. Até porque no Brasil, que eu tenha ouvido falar, só existe aquelas lá de Angra e eu nunca fui além de Paquetá.

Médico: Hum… Que saudades de paquetá.

Paciente: Num campo de dejetos radioativos eu não sei. Por que eu não sei exatamente o que são dejetos radioativos.

Médico: Sei…

Paciente: E num laboratório de enriquecimento de plutônio, eu também acho difícil. A não ser que eles enriqueçam plutônio no Sérgio Franco, onde eu fui mês retrasado levar um exame de urina.

Médico: Não. Acho que eles não enriquecem plutônio no Sérgio Franco.

Paciente: Pois é.

Médico: Próxima pergunta: a senhora já participou de testes de novos medicamentos ou serviu de modelo para experimentação de novos cosméticos.

Paciente: Eu já deixei a filha da vizinha pintar meu cabelo quando ela tava treinando pra ser tinturista no cabeleireiro onde ela trabalha.

Médico: A senhora sabe se o tonalizador usado continha uma mistura de ácido acétio glacial com xileno.

Paciente: Olha… Era casting.

Médico: Casting?

Paciente: Da l´Oreal.

Médico: Entendo.

Paciente: Faltam muitas perguntas doutor?

Médico: Existe na sua família algum caso de alteração genética pela exposição de raios gama?

Paciente: Olha, o meu pai tirava muita chapa…

Médico: Muita chapa?

Paciente: É que ele tinha negrume no pulmão, sabe?

Médico: Não, minha senhora, não sei. Em todo caso eram raios x.

Paciente: Isso. Raio-X.

Médico: A senhora travou contato com…

Paciente: Doutor, faltam muitas perguntas.

Médico: Eu receio que sim, minha senhora. As possibilidades são infinitas. E para o tratamento adequado nós temos que descobrir a causa da sua anomalia parietal…

Paciente: Anomalia parietal?

Médico: Isso. A unha na testa. Nós temos que descobrir como e porque surgiu a sua vigésima primeira unha. E para isso nós vamos fazer exames. Mas pra saber que tipo de exame a gente faz, é preciso fazer muitas perguntas.

Paciente: Entendi. (tempo). O senhor se importa se eu voltar amanhã pra responder a essas perguntas?

Médico: Bom… Eu acredito que não tenha problema. Apesar de ser um caso extraordinário, ele não representa perigo pra sua saúde.

Paciente: Ah, então tá ótimo. Então eu volto amanhã, tudo bem.

Médico: Mas a senhora vai voltar?

Paciente: Vou. Eu vou voltar, doutor.

Médico: Vai mesmo?

Paciente: Vou, eu juro que eu vou.

Médico: Olha, minha senhora. É muito comum que os pacientes se assustem e não voltem ao consultório após a descoberta de certas condições. Eu devo avisá-la que no seu caso, em se tratando de um caso extraordinário, a sua volta é muito importante.

Paciente: Mas doutor, eu já disse que vou voltar. Eu juro. Eu vou voltar.

Médico: Então porque é que a senhora está saindo assim com tanta pressa?

Paciente: É que eu preciso ir na Solange, doutor.

Médico: Solange?

Paciente: A minha manicure.

Méidco: Como?

Paciente: É que esse roxo tá me tirando do sério, doutor. Me tirando do sério!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

2000 mulheres

(o texto é meu, não as mulheres)


Um apartamento. Dois amigos na faixa dos 25 a 35.

Um: Mas como é que isso foi acontecer?

Outro: Como assim acontecer?

U: Como é que aconteceu? Essa situação?

O: Eu é que vou saber?

U: É claro que é você que vai saber. Ela aconteceu com você!

O: Você perdeu sua carteira.

U: E daí?

O: Também aconteceu com você e nem por isso você sabe como perdeu.

U: É diferente.

O: A mesma coisa.

U: Perder a carteira é um evento isolado. A sua situação são eventos contínuos. Não é por acaso.

O: Mas acontece.

U: Acontece?

O: Aconteceu. Vem cá. Você vai me ajudar ou não vai?

U: Acho que não.

O: Por quê?

U: Eu não acredito em você.

O: Mas por quê?

U: Por que é uma história absurda.

O: Você perdeu sua carteira dormindo.

U: E daí?

O: Também é uma história absurda e nem por isso eu deixei de acreditar em você.

U: Mas como é que eu nunca soube?

O: Da situação?

U: Das mulheres. Como é que eu nunca soube das mulheres?

O: Eu sou discreto.

U: É mentiroso.

O: A troco de quê eu estaria mentindo pra você?

U: Pra me impressionar.

O: Pra quê?

U: Você me admira.

O: Vamos combinar uma coisa. Acredita em mim por um tempo preestabelecido.

U: Um tempo.

O: Dez minutos, pode ser?

U: Dez minutos?

O: Dez minutos. Acredita em mim pelos próximos dez minutos. Nesse tempo você tenta me ajudar. Com a minha situação. Depois, se você não estiver satisfeito com você acreditando em mim e na minha situação, você pode voltar a desacreditar em mim. E na situação.

U: Não entendi muito bem.

O: É um tempo de crédito que você ta me dando.

U: Tempo de crédito?

O: De dez minutos.

U: Pra acreditar em você.

O: Exatamente.

U: Eu não posso fazer isso.

O: Por quê não?

U: Crédito pra acreditar. É um crédito de crédito.

O: E daí?

U: Muito ruim. Crédito de crédito?

O: Ruim por quê?

U: Porque é feio. Soa mal. Eu nunca escreveria isso. E é redundância.

O: Redundância.

U: Pleonasmo.

O: Não é não. Só porque é uma repetição de palavras não quer dizer que é redundância.

U: Ah, não?

O: Não. Redundância é um reforço desnecessário de significados. Tipo subir pra cima, descer pra baixo, entrar pra dentro, conviver junto, encarar de frente, ganhar de graça, ter opinião pessoal, prefeitura municipal, projeto pro futuro, sorriso nos lábios, goteira no teto, estrelas do céu, países do mundo, almirante da marinha, general do exército e brigadeiro da aeronáutica. Crédito de crédito não é redundância. É outra coisa.

U: É o quê, hein? Hipérbole?

O: Acho que é hipérbato!

U: Ou catacrese?

O: Não, não. Anacoluto.

U: Zeugma, de repente…

Apartamento vizinho. Duas senhoras.

Senhora: Zigmund ,de repente?

Outra senhora: Não, não. Anacleto.

Senhora: Ou Catalão?

Outra senhora: Acho que é Hipólito!

Senhora: Eu não me lembro. Definitivamente não me lembro. Só sei que era um nome muito estranho.

Outra senhora: E vocês nunca mais se viram?

Senhora: Não. Mas foi melhor assim. A gente não conseguia conviver junto. Eu não podia ter opinião pessoal que ele me encarava de frente e o que eram estrelas no céu viravam uma goteira no teto.

Outra senhora: Ele era almirante da marinha, né?

Senhora: Não.

Outra senhora: Brigadeiro da aeronáutica?

Senhora: General do exército. Depois que ele saiu pra fora do Brasil nunca mais vi.

Outra senhora: Deve ter viajado por muitos países do mundo.

Senhora: É…

Outra senhora: Ele foi o último?

Senhora: Último e o primeiro. Dá pra acreditar? Ai, meu Deus. Como é que isso foi acontecer?

Outra senhora: Como assim acontecer?

Senhora: Como é que aconteceu? Essa situação?

Outra senhora: Não é você que tem que saber.

Senhora: Claro que sou eu. Ela aconteceu comigo!

OS: Eu perdi minha virgindade.

S: E daí?

OS: Também aconteceu comigo e mesmo assim eu não me lembro como foi.

S: É diferente.

OS: A mesma coisa.

S: A minha situação é uma história absurda.

OS: Eu perdi minha virgindade dormindo. Quer história mais absurda do que isso?

S: Você me ajuda?

OS: Com a sua situação?

S: É.

OS: Como é que eu vou te ajudar? Tudo o que eu tenho na vida é uma conta no Orkut e um celular de cartão com dez minutos de crédito.

S: Crédito de dez minutos?

OS: Dez minutos de crédito.

S: Crédito de crédito?

OS: Dez minutos de crédito.

S: Ah, tá. Crédito de crédito. Muito ruim celular de crédito.

OS: É redundância.

S: O quê?

OS: Pleonasmo. Celular de crédito ruim é redundância. Celular de crédito por si só já é ruim.

S: Crédito de crédito.

OS: Mas e a sua situação? Como a gente resolve a sua situação?

Apartamento 1

Outro: Como é que eu resolvo a minha situação?

Um: Eu vou te dar.

Outro: O quê?

Um: O crédito. Eu vou te dar o crédito.

Outro: O crédito de crédito?

Um: Começando agora.

Outro: Jura?

U: Você tem nove minutos e cinqüenta e seis segundos.

O: Ta bom, ta bom. Você ta acreditando em mim?

U: To.

O: Então você acredita na minha situação?

U: Claro. Eu acredito.

O: Mesmo?

Um: Sim. Eu acredito que você comeu uma mulher diferente todos os dias da sua vida desde que você perdeu a sua virgindade.

O: Eu sei que é estranho.

Um: Que não se tenham passado 24 horas sem que você não tivesse transado desde o momento em que você praticou sexo pela primeira vez.

O: Aconteceu.

Um: Que você tenha tido religiosamente em todos os quadrinhos do calendário uma relação coital com parceiras múltiplas a partir do momento que a sua glande travou um contato inédito com dois pequenos lábios e o seu pênis desbravou heroicamente um caminho em direção ao canal vaginal da infeliz mulher que te amaldiçoou com esse drama diário.

O: Ironia não ajuda.

U: Eu não estou sendo irônico.

O: Drama diário.

U: O quê?

O: Você descreveu bem. É um drama diário o que eu vivo. Transar com uma mulher diferente todos os dias. Um drama diário.

U: Drama diário. Acho que eu já ouvi isso em algum lugar.

O: Eu sempre fico com medo de não conseguir a mulher do dia entendeu? Como se eu não trepasse com uma mulher nova naquele dia o meu mundo fosse acabar.

U: Drama diário, drama diário.

O: É uma pressão. Teve uma vez que eu só consegui transar às onze e cinqüenta e oito da noite.

U: Drama…

O: Eu não agüento mais.

U: Diário.

O: Quer parar de ficar re
petindo isso?

U: Por quê?

O: Sei lá. To achando esquisito.

U: Esquisita é a sua situação.

O: Eu não sei mais o que fazer.

U: Peraí. Quantas mulheres você já comeu?

O: Então. Essa é que é a questão.

U: Ah, ta. A questão.

O: Ontem, eu comi a milésima novecentésima nona.

Pausa

O: 1999!

U: Ah, 1999. (Pausa) 1999?

O: É.

U: Você tá me dizendo que você comeu 1999 mulheres?

O: Fala mais alto que não te ouviram em Niterói!

U: Mas sendo uma por dia isso dá…

O: Cinco anos sete meses e dezenove dias. Eu como diariamente uma mulher diferente desde os últimos cinco anos, sete meses e dezenove dias.

U: Mas isso que dizer que você só perdeu a virgindade há cinco anos?

O: É.

U: Começou tarde, hein.

O: Não vamos focar nessa parte da história senão fica inverossímil.

U: Ta.

O: O caso é que eu comi 1999 mulheres diferentes. E agora que ta chegando na de número 2000 eu não sei… eu acho que eu não vou conseguir… Eu também não quero mais isso pra mim. Dá trabalho. Administrar tanta mulher assim. E os caderninhos…

Um: Que caderninhos?

Outro: Cada uma é registrada com nome, número de telefone e comentário sobre a noite.

U: Você tem um catálogo das mulheres que você comeu?

Outro: Tenho.

Um: E você organiza por quê? Ordem alfabética?

O: Não, peraí. Também não é assim!!! É por ordem de preferência…

U: Vem, cá. Você já pensou em fazer terapia?

O: Pra quê?

Um: Pra ser normal!

O: E perder todo meu charme?

Um: É inacreditável. Você deve ter comido todas as mulheres que a gente conhece, né?

Pausa

Um: Você deve ter comido todas as mulheres que a gente conhece, né?

Outro: Você acabou de falar isso.

Um: As minhas amigas, minhas ex-namoradas… Você comeu a Carlinha?

O: Que Carlinha? 843 ou 237?

U: A Carlinha minha irmã!

O: 352…

U: A minha mãe!

Outro apartamento

OS: Ai, minha mãe. Você conta?

S: Anoto num caderninho. Todos os homens com quem eu tentei transar.

OS: Quer dizer que desde o Brigadeiro da aeronáutica…

S: General do Exército.

OS: Desde o general do exército que tirou a sua virgindade, nunca mais?

S: Nem um boquetinho, com o perdão da palavra. Parece maldição. Todos os dias eu tento. Há cinqüenta anos eu tento (pausa) dar, com o perdão da palavra. Mas nunca consegui.

OS: O que é que acontece?

S: Tudo minha filha, tudo. No início eu ficava esperando, sabe? Depois que o general foi embora eu queria o homem certo no lugar certo. Com o tempo eu cansei de esperar e comecei a me atirar pra cima dos homens mesmo. Mas na hora da coisa acontecer, sempre tinha um problema.

OS: Como assim, problema?
S: Uma brochadura aqui, uma falta de camisinha ali. Você acredita que teve até um que quebrou a perna tentando tirar a calça.

OS: Nossa, mas como é que ele conseguiu?

S: Não sei. Mas empatou a foda. Com perdão da palavra. Eu já tentei de tudo. Agência matrimonial, classificado sentimental, prostíbulo.

OS: Prostíbulo?

S: O que que eu podia fazer? Lá certamente tinha o que eu tava procurando. Mas não deu certo não. A cafetina disse que eu era muito recatada.

Outra senhora: Que bom né?

Senhora: Bom pra você que deve transar que nem uma louca. Eu que só fiz uma vez queria mais é parecer uma vagabunda, entrar praquele bordel e tirar meu atraso de cinqüenta anos.

Outra senhora: Ah, você foi num prostíbulo recentemente?

Senhora: Semana passada.

OS: Quer dizer que desde que você perdeu sua virgindade com o general você nunca conseguiu fazer sexo de novo?

S: Eu sei que é estranho.

Outra senhora: Que desde que você fez sexo pela primeira vez nunca mais aconteceu.

S: É

OS: Que depois que você deu, nunca mais deu de novo.

Senhora: Fala mais alto que não te ouviram em Irajá!

OS Mas que drama.

Senhora: E diário. É um drama diário!

OS: Drama diário.

Senhora: Drama diário.

OS: É. Diário, o drama. Diário.

S: Drama diário.

OS: Diário.
S: Diário.

OS: Drama diário! Drama diário!

S: Di-á-ri-o.

OS: Drama diário.

(pausa)

Senhora, outra senhora, um e outro juntOS: Drama diário.

Os dois apartamentos ao mesmo tempo.

OUTRO: Como é que eu faço pra resolver o meu drama diário?

UM: É muito simples.

OUTRA SENHORA: Pára de procurar.

OUTRO: Parar de procurar?

UM: O que te deixa agoniado é a obrigação de ter que comer alguém todos os dias.

OUTRA SENHORA: É essa obsessão de ter que dar.

SENHORA: Mas eu quero dar.

UM: Eu sei, mas você não precisa ficar indo atrás. Deixa rolar.

OUTRA SENHORA: Deixa rolar.

UM: E tem que parar de ficar listando as mulheres.

OUTRA SENHORA: Me dá o caderninho. Senão você vai querer anotar de novo.

OUTRO: Mas você acha que eu já não tentei isso? Eu não consigo.

SENHORA: Eu não agüento mais ser casada com uma coleção de vibrador e almofada.

OUTRA SENHORA: Calma.

UM: Você tem que se controlar.

OUTRA SENHORA: Precisa.

UM: Vamos fazer uma experiência.

SENHORA: Experiência?

OUTRA SENHORA: É muito simples.

UM: Sai.

OUTRO: Sair?

Outra senhora: Sai de casa. Sem rumo. Sai de casa sem rumo.

Senhora: Como assim?

Um: Sai de casa sem rumo. A primeira mulher que você encontrar…

Outra senhora: O primeiro homem que você vir, se aproxima.

Um: Chega perto.

Outra senhora: Puxa um papo.

Um: Sei lá. Pede uma informação.

Outra senhora: Mas tem que ser o primeiro.

Um: Não pode escolher.

Outra senhora: Agora, tem uma coisa.

Outro: Eu sabia que tinha uma coisa.

Senhora: Fala.

Um: Por mais que essa mulher se jogue em cima de você…

Outra senhora: Mesmo que esse homem seja irresistível…

Um: Você não vai querer transar com ela.
(Juntos)
Outra senhora: Você não vai querer dar pra ele.

(pausa)

Senhora: Ai meu Deus. Será que eu vou conseguir?

Outro: É que já vai dar 24 horas desde que eu comi a última.

Outra senhora e Um: Tenta.

Os dois se levantam. Saem de seus apartamentos e se cruzam no corredor, em frente ao elevador.

Outro: Boa noite.

Senhora: Boa noite.