sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O pós-guerra

Rio de Janeiro, ano de 2098. A cena se passa no período depois da guerra entre os traficantes de morros e o poder público.

Dois homens numa mesa numa calçada. Duas taças de vinho e algumas garrafas. Eles conversam.

1: O chileno é muito bom.

2: É suave né?

1: Muito.

2: Não deixa muito resquício.

1: Resquício?

2: Quer dizer, resíduo.

1: É por isso que é suave.

2: Exatamente.

1: E é exceção entre os sul-americanos.

2: Ah, sem dúvida, sem dúvida alguma.

1: O brasileiro, por exemplo, tende a ser sempre bem encorpado, forte.

2: É. Mas em compensação não é tão rascante quanto o argentino.

1: Ah, não. O argentino é o mais.

2: Poxa é uma pena a gente não ter nenhum Europeu hoje. (cheira uma carreira de cocaína).

1: Esse é qual?

2: Boliviano.

1: Hmmmm. Acho que vou dar um tempo. Boliviano me sobe à cabeça muito rápido. Mas sem
dúvida é o melhor em sabor.

2: Você acha? Prefiro o venezuelano.

1: Não… O pó venezuelano é muito fraco.

2: Mas em compensação tem sabor.

1: É, mas o boliviano pra mim reúne todas as qualidades dos sul-americanos. Ele é encorpado como o brasileiro, rascante como o argentino e não deixa resíduos como o chileno…

2: É verdade.

1: E tem sabor.

2: Acho que você tem razão, sabia?

1: To dizendo.

2: Experimenta esse da Califórnia.

1: Da Califórnia não.

2: Ah, pelo amor de Deus. Você não é daqueles que tem preconceito com cocaína da Califórnia, né? Por favor.

1: (cheira) Nada demais.

2: Preconceito.

1: Da próxima vez a gente tem que comprar um Europeu. Não precisa nem ser francês, mas um italiano já levanta o nível, né?

2: Ta certo. Ih rapaz, olha a polícia!

1: Ai meu Deus. Esconde, esconde, esconde!

(Eles escondem as garrafas de vinho)

2: Tudo bem seu guarda.

Guarda: Oba.

2: Vai um tequinho, aí?

Guarda: Não, obrigado. To de serviço, meus amigos.

( um deles esbarra na garrafa)

Guarda: Que barulho foi esse?

2: Não sei não, seu guarda.

Guarda: Vocês por acaso não estão consumindo nenhuma droga ilícita, não né?

2: Claro que não seu guarda. Estamos só dando nosso tequinho aqui.

1: Por favor, seu guarda. Nós somos apreciadores profissionais de pó. Não vamos estragar nossa degustação com nenhum entorpecente que vá interferir nos sabores e efeitos da cocaína.

2: Exatamente.

Guarda: Olha aqui, eu não quero problema não hein. Seu eu souber que vocês estão consumindo qualquer tipo de bebida alcoólica, uma cervejinha que seja, vai todo mundo em cana.

1: Por favor.

(guarda sai)

1: Que absurdo.

2: Será que um dia a gente vai poder tomar um vinhozinho em paz?

1: Difícil, meu amigo. Difícil.

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